professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio

Após dez anos, parece que finalmente as forças estadunidenses conseguiram encontrar Bin Laden. Parece que é dele mesmo o cadáver do qual se investigou o DNA e que, segundo informações da mídia dos Estados Unidos, jaz no fundo do mar. Parece finalmente que ele não se rendeu e por isso foi morto com dois tiros na cabeça, embora outras fontes digam que a operação na qual o alvo tinha o codinome de “Jerônimo” era pensada para trazê-lo vivo ou morto.

Parece tanta coisa que não podemos aqui especular o que será ou não completamente verdadeiro de todas as notícias que lotaram as manchetes da mídia internacional neste 3 de maio, após a morte do chefe da Al-Qaeda, considerado responsável pelo ataque às torres gêmeas no dia 11 de setembro de 2001, ser anunciada oficialmente ao mundo inteiro. E não sendo possível averiguar com exatidão aquilo que parece ser, mas pode não ser, melhor ater-nos aos fatos, ou seja, àquilo que se pode, sim, constatar a partir de evidências comprovadas e comprováveis.

Constatável e evidente é a euforia que tomou conta das ruas de Nova York e outras cidades americanas, com centenas de pessoas festejando a notícia. Embrulhados na bandeira dos EUA, com cartazes nas mãos, celebravam o que seria a justa vingança pelas dolorosas perdas sofridas de irmãos, filhos, parentes, amigos; a humilhação da nação pega de surpresa pelo ataque terrorista; o terror que tomou conta do mundo inteiro a partir de 2001, endurecendo a vigilância nas fronteiras do país inteiro.

Igualmente visível e evidente é a atitude orgulhosa e triunfante do governo americano ao exibir o troféu há tanto tempo esperado. As declarações do presidente Barack Obama, responsável pela vitoriosa operação ao “bunker” onde se refugiava Bin Laden dão disso testemunho. O Presidente anunciou aos cidadãos estadunidenses a morte do líder terrorista, responsável pelo atentado às Torres Gêmeas e declarou que assim a justiça havia sido feita.

Na terça, 3 de maio, o Pe. Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, reagiu ao anúncio da morte de Bin Laden com palavras de extremo bom-senso. Após relembrar que para os cristãos não é permitido alegrar-se com a morte de nenhum ser humano, declarou esperar que o fato servisse para relembrar a todos a responsabilidade de cada pessoa perante Deus e os outros. Relembrou que Bin Laden tinha a grave responsabilidade de haver espalhado divisão e ódio, causando mortes de um incontável número de pessoas inocentes e usando a religião com esses objetivos.

O que chama a atenção – na contramão das outras evidencias que acima destacamos – é a conclusão do porta-voz do Vaticano, que disse esperar que a morte de Bin Laden não seja uma ocasião para mais ódio e sim para a paz. Chama a atenção por introduzir como outra clave musical em meio ao ruído dos que perderam entes queridos devido à ação terrorista comandada pela Al Qaeda e dos que se sentiram agredidos pela sua violência. É um tom novo de bom-senso e paz em meio ao alerta que espalha o medo no mundo inteiro pela represália que pode vir a partir da morte do líder islâmico.

O que o Vaticano diz no momento em que muitos comemoram a desaparição de um indivíduo fanático e ameaçador à segurança e ao sossego de muitos é o valor infinito e irredutível da vida humana. A ninguém é permitido alegrar-se com a extinção de uma existência que só pertence ao Criador que a originou e amorosamente cuidou. Embora a sociedade deva proteger-se de tais ameaças, isolando-as da convivência social, comemorar a morte de um homem é algo que banaliza o valor sagrado de toda vida humana, por menos virtuosa que seja.

Igualmente nos relembra o Pe. Lombardi que o importante não é acrescentar ódio ao ódio que a vida de Bin Laden já espalhou pelo mundo. Mas, a partir de toda a dor semeada, vivida e sofrida, unir forças para construir um futuro de mais paz e menos violência para a humanidade neste século XXI, marcado dolorosamente pelos fatos ocorridos no dia 11 de setembro. Só assim a justiça de que fala o Presidente Obama terá chance de ser realmente feita e consumada. Pois, enquanto a vingança e o ódio forem o motor dos sentimentos, não haverá muita chance de que não se mimetize o passado e que realmente aconteça um futuro melhor para o gênero humano.

*Maria Clara Bingemer é autora de “A Argila e o espírito – ensaios sobre ética, mística e poética” (Ed. Garamond), entre outros livros.
http://wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape/

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