5 de junho de 2011
No ano passado, as agências norte-americanas noticiaram que Ernie Chambers, senador por Nebraska, abriu na justiça dos Estados Unidos, um processo criminal contra Deus. Ele descobriu que, por trás de muitas iniciativas terroristas existe um fanatismo religioso. Decidiu, então, acusar o Criador de ser responsável pelas contínuas ameaças terroristas que prejudicam milhões de pessoas no mundo inteiro. Culpou também a Deus de provocar terremotos, furacões, guerras e nascimentos de crianças com má formação. Além disso, Deus teria ainda distribuído, em forma escrita, documentos considerados sagrados, como a Bíblia, que, de acordo com a acusação, servem para transmitir medo e insegurança às pessoas só com a finalidade de conseguir obediência total e servil. O processo caminhou até o Tribunal de Justiça, mas o Juiz encarregado do processo respondeu que não poderia abrir o processo contra Deus e condená-lo porque Deus não tem um endereço fixo e reconhecido. “Se o senhor não tem um endereço postal certo do acusado e um número de telefone com o qual nos possamos colocar em contato com ele, não temos como convocá-lo a uma audiência e julgá-lo”. “Mesmo à revelia, podemos fazer o julgamento, mas depois, como contatá-lo?”.
Este fato pode parecer quase folclórico, mas tem a sua seriedade e até sua consistência. Em 2003, um escritor sério como José Saramago, prêmio Nobel de literatura, declarou: “De algo sempre haveremos de morrer, mas já se perdeu a conta aos seres humanos mortos das piores maneiras que seres humanos foram capazes de inventar. Uma delas, a mais criminosa, a mais absurda, a que mais ofende a simples razão, é aquela que, desde o princípio dos tempos e das civilizações, tem mandado matar em nome de Deus”.
Quem é crente em qualquer religião ou tradição espiritual gostaria de contestar que nosso Deus é fonte de paz e unidade e nunca de divisão ou violência. Entretanto, a história mostra que isso não é tão simples. De fato, todas as grandes religiões da humanidade foram envolvidas em conflitos violentos. No decorrer da história, infelizmente, o Cristianismo foi a religião que mais patrocinou ou legitimou guerras, atos de intolerância e de violências. Graças a Deus, hoje, ministros de todas as Igrejas têm se posicionado pela paz e um dos fenômenos mais importantes do século XXI tem sido a proliferação de congressos e organizações para o diálogo entre as religiões.
No Brasil, em 2007, uma portaria assinada pelo Presidente da República consagra o dia 21 de janeiro como dia nacional contra a intolerância religiosa.
Se naquele processo, o juiz norte-americano aceitasse, se poderia dizer que Deus tem sim endereço neste mundo. Jesus disse no Evangelho: “Quem der até um copo de água fria a um pequenino em meu nome é a mim que está dando”. Deus mora onde moram os pequeninos e pobres do mundo. É claro que isso muda a imagem de Deus que a maioria de nós recebeu quando criança. O padre Ernesto Balducci, filósofo e espiritual italiano, dizia com convicção: “Enquanto não renunciarmos à idéia de um deus onipotente, não compreenderemos profundamente a fé cristã”.
De fato, a imagem clássica de um Deus todo-poderoso, de acordo com a visão de poder deste mundo, responsável por tudo o que acontece e sem o qual nada acontece, merece mesmo a acusação e o processo do senador Chambers. Atualmente, a cada dia, aumenta o número de crentes de todas as religiões que testemunham: Deus é fonte de paz porque ele mesmo é Amor. Em um livro de meditações cotidianas, o irmão Roger Schutz, prior da comunidade ecumênica de Taizé, deixou claro: “Deus não castiga ninguém. Deus só pode amar e só ama. Se não, não seria Deus”.
Atualmente somos todos chamados a nos tornar crianças para aprender de Jesus a espiritualidade mais profunda. Até hoje, todos nós somos chamados a valorizar a criança divina que está adormecida no mais profundo de nosso coração. Muitas vezes, a tradição ocidental fixou-se em métodos de espiritualidade que tornam as pessoas sérias demais, artificialmente adultas. O Mestre Eckhart, místico medieval, ensinava que “cada um de nós tem uma dimensão mística. Esse ser místico é a criança que existe dentro de nós”. Na música popular brasileira, Milton Nascimento tem a música “Bola de Gude, Bola de meia”, na qual canta: “Dentro de mim mora uma criança, um moleque. Quando em mim, o adulto fraqueja, a criança vem e me dá a mão”.
(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.
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