O retorno às atividades escolares, de forma remota e precária, depois de um longo período sem aulas, sem relação e comunicação com os estudantes, coloca um grande desafio aos professores/as e equipes diretivas das redes municipais de ensino: a reconstrução dos vínculos afetivos e de aprendizagem com seus estudantes.
Quem estuda educação e relações de aprendizagem, sabe como é preciso conceber sentido nas atividades e nos processos que envolvem as relações de aprendizagem entre os sujeitos aprendentes: professores e estudantes.
A aprendizagem ocorre de maneira mais fluída quando há sentido e motivação para todos os envolvidos nela. Por isso mesmo, a mediação possível, agora feita por plataformas educacionais ou redes sociais, não pode abdicar de um pacto sobre o sentido desta aprendizagem que se quer promover, de forma remota e precária.
Há pais e mães que entendem que o ano escolar já está perdido. Outros, não têm e nem terão condições de monitorar e acompanhar o recebimento, execução e entrega das atividades enviadas a seus filhos de forma digital. Outros, de forma ingênua e prematura, já trocaram aparelhos celulares e adquiram noteboocks na esperança de que a tecnologia, por si mesma, fará a maior diferença. Outros, apelam por socorro porque não sabem como ajudar seus filhos. Outros, não sabemos quantos, farão todos os esforços para colaborar com seus filhos, acreditando que, mesmo tardiamente, ainda temos a oportunidade de organizar o ano escolar com condições de aprendizagens significativas.
A educação, como dizia o educador brasileiro Paulo Freire, “não muda o mundo. Ela muda as pessoas e as pessoas mudam o mundo”. Esta ideia de Freire relativiza o poder da educação; por um lado, permite compreensão do seu verdadeiro alcance. A educação não acontece sem intencionalidades e sem motivações bem elaboradas e pactuadas entre os professores, estudantes e famílias.
Para não permanecermos na inércia e na inação, para não perdermos o rumo da educação e as possibilidades que ainda existem de dar sentido ao ano letivo de 2020, precisamos organizar as atividades de casa e pactuar com os estudantes e famílias a rotina de estudos que se perdeu nestes últimos 3 meses. Precisamos planejar, com sensibilidade e empatia, o desenvolvimento de atividades que apontem o sentido verdadeiro da escola e da educação que é a de nos tornarmos melhores seres humanos, através do conhecimento. Precisamos entender que a tecnologia não é um fim em si mesmo mas uma ferramenta importante para mediar a construção do conhecimento.
Papel dos pais na educação
Sueli Ghelen Frosi, da Escola de Pais do Brasil, afirma que pais e mães sempre são educadores e que devem ser parceiros da escola, para a humanização dos filhos. Os filhos são educados pela linguagem, pelas emoções, pelo respeito e pelos exemplos. Lembra que os pais e mães sempre tiveram responsabilidades de organizar a rotina, acompanhar os estudos, os combinados e a evolução do conhecimento dos mesmos na escola.
Neste contexto, também colaborando com reflexões sobre a necessidade de proximidade das escolas com as famílias, a professora Adriana Marcondes, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) avalia que “todos estão se esforçando para dar conta de um jeito de fazer Educação que é remoto e cheio de imprevistos”. Além disso, a professora aponta que esse é o momento de reforçar os vínculos dentro entre professores, pais e alunos. Por isso, é importante entender a sua comunidade escolar para atendê-la bem.
Papel dos professores na educação
Paulo César Carbonari (2018), muito antes desta pandemia do Covid 19, nos alertava sobre os desafios da educação em tempos onde a tecnologia já está presente no cotidiano de todos nós, principalmente, no mundo dos adolescentes e jovens:
“Talvez o principal desafio dos pais e dos educadores para educar hoje seja voltar a aprender. Aprender como cada vez menos acumular continuidades e ensinar como cada vez menos mostrar continuidades; aprender como cada vez mais lidar com descontinuidades, continuamente; e ensinar como cada vez mais conectar e mobilizar descontinuidades, continuamente. Quem vai ensinar isso aos pais e aos educadores? Certamente serão aqueles que, desde há muito, são entendidos por pais e educadores como os que nada teriam para tal, aqueles para quem se insiste em destinar o que se sabe, sem se perguntar se lhes interessa a isso aprender. Talvez nunca antes, como em nosso tempo, ensinar e aprender sejam verbos a serem conjugados na extensividade e na intensividade múltipla da transitividade, continuamente, na descontinuidade”. (https://www.neipies.com/descontinuidades-continuas-o-que-e-ensinar-e-o-que-e-aprender/)
Queremos também afirmar desafio contemporâneo de eleger boas estratégias para que ocorram aprendizagens significativas, seja em tempos de pandemia ou não. Estas estratégias passam pela proximidade, pelas relações de parceria e entendimento do papel das famílias, dos estudantes e dos próprios professores.
Um dos maiores desafios na educação que temos nos dias de hoje, imersos em muitas “quinquilharias pedagógicas”, é reencontrar o caminho da relação. Não se trata de não tomar em conta as boas coisas que auxiliam esta relação, mas se trata de escolher somente aquelas coisas que se prestam a oportunizar boas relações de aprendizagem.
Os seres humanos nascem relação e se fazem na relação. Fora dela, não existe vida humana. Relação existe quando o outro aparece na relação como outro, não como o mesmo, como qualquer um, como um comum, um “lugar comum”. É da diferença que brota a possibilidade de relação. É do reconhecimento que brota a qualidade da relação.
O professor e a professora são seres em relação. Mediador/a da construção de aprendizagens. É ele/a um colaborador/a para construir condições para a sistematização das informações, hoje amplamente disponíveis, para a orientação do estudo, para a promoção do diálogo e da convivência que transformam informações em conhecimento e conhecimento em práticas vitais.
A educação é, acima de tudo, uma mediação para a humanização das pessoas através das relações educativas. Afinal, a educação é, acima de tudo, a construção da diferença, é fazer a diferença. Nela não há lugar para a mesmice, a repetição, o “lugar comum”.
Estratégias de proximidade com as famílias
Para promover a proximidade e os vínculos perdidos das escolas com as famílias, dos professores com os estudantes, é necessário pensar estratégias que dialoguem com as dificuldades de toda comunidade escolar. Podem ser realizadas atividades como reuniões virtuais, elaboração de cartilhas, grupos de watsap, páginas no Faceboock, dentre outros.
As equipes diretivas devem manter postura de diálogo e compreensão das dificuldades que as famílias, os estudantes e os próprios professores enfrentam neste tempo de excepcionalidade, em função da crise e da pandemia do Covid 19.
“A orientação às famílias sobre como melhor apoiar os filhos em seu processo de aprendizagem é, portanto, uma dimensão essencial na estratégia das redes. No contato com os pais, porém, podem surgir demandas mais básicas, especialmente em famílias mais vulneráveis. A Unesco chama a atenção para esses e outros efeitos adversos do fechamento das escolas, como a questão do acesso à alimentação”.
(https://en.unesco.org/covid19/educationresponse/consequences).
Elencamos algumas estratégias, entituladas “Dicas para os gestores nas orientações às famílias”, em versão resumida. (https://www.institutounibanco.org.br/conteudo/como-apoiar-as-familias-durante-o-fechamento-das-escolas/)
- Comunicar-se com os professores: propiciar aos pais que tenham contatos com os professores. Mais comunicação, maior o êxito de aprendizagem
- Ter uma rotina: orientar os pais para que seus filhos tenham rotina e autonomia para não perder o foco.
- Planejar intervalos: tempo demais no computador ou no celular, sem pausas para arejar a mente e exercitar o corpo, pode ser muito prejudicial à aprendizagem. O lazer, exercícios físicos e intervalos de descanso são fundamentais;
- Participar de grupos de apoio: um grupo de watsap pode ser extremamente importante para tirar dúvidas e compartilhar experiências entre pais e mães;
- Acionar as escolas: Mostrar aos pais que as escolas continuam abertas à comunidade para orientações de serviços de assistência social. As famílias mais vulneráveis podem estar precisando de auxílio e apoio para resolver suas maiores necessidades. 08/07/2020
Publicado em http://rdplanalto.com/noticias/45242/vinculos-com-as-familias-para-atividades-a-distancia-na-pandemia
Obs: O autor é professor, escritor e ativista em direitos humanos, desde Passo Fundo, RS