Só na noite da véspera da viagem, a comunicação oficial nos era feita, com a recomendação de dormir cedo, a fim de acordar de madrugada, com o tempo suficiente para todo mundo tomar banho. A viagem para Aracaju tinha seu encanto próprio, pela oportunidade que abria para a gente vestir as melhores roupas do domingo. Dito assim gera a certeza de que o guarda-roupa era superlotado de calças e camisas. Não era. Calças e camisas, do melhor nível, eram contadas no dedo, e não exigiam nem uma mão. E, aliás, guarda-roupa não compunha a paisagem do meu quarto lá de casa, nesse tempo. Apenas uma gaveta numa cômoda, onde as roupas se ajeitavam.
Ir para Aracaju não era um fato comum. Necessário motivo que justificasse, porque mamãe, que trazia tudo para o seu comando, não era de viajar com facilidade. Tirá-la de casa para um simples passeio não acarretava, de logo, sua adesão. Primeiro, pensar e pesar. Decidia, depois. O motivo tinha de ser forte, o suficiente para convencê-la, e providenciar tudo, desde a roupa dos três pimpolhos, ao bolo que preparava na véspera, porque o percurso era demorado, e ninguém tinha o hábito de descer em Areia Branca ou em Laranjeiras para um lanche. O bolo, então, era devorado na viagem, bolo de ovos, bem inchado, pedaço graúdo que a gente deglutia enquanto o ônibus se arrastava. A alegria da viagem era tanta que a fome até diminuía.
De minha parte, o prazer, que não dava as caras, de, no dia seguinte, contar, na escola que, na véspera, viajara para Aracaju. Podia ser, como era, uma besteira, não tenhamos duvida alguma, mas nos fazia mais importantes. E nessa direção vinha outro fato que me enchia: a descida do ônibus no oitão da Igreja, muitas pessoas ao redor, a espera de parentes que voltavam, e, outras, nas portas, a apreciar o espetáculo que se repetia toda tarde, menos no sábado e domingo. Em poucos minutos, saindo do ônibus, pescoço duro, eu era rei.
Um dia, o ônibus parou demais, o cobrador a pegar água na estrada para enfiar no motor do veículo, vivíamos o inverno e havia poços de água no caminho. A descida no oitão da Igreja não ocorreu. O ônibus não foi até lá. Não conseguiu. Descemos, de pacotes na mão, na Praça da Bandeira. Lá fui eu, em direção a Rua do Sol, calado, roendo de raiva por dentro – Diário de Pernambuco, 16 e 17 de janeiro de 2021.
Obs: Publicado no Diario de Pernambuco
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras