http://www.plataformadeesquerda.com.b
rhttps://www.facebook.com/paulorubemsantiago/

Mal começou a existir e o novo Fundo para a Educação Básica (FUNDEB) já está sendo ameaçado, assim como ameaçado está o SUS, mesmo demonstrando- se essencial no enfrentamento da pandemia do Coronavírus.

O fundo para a Educação Básica (visando a manutenção e o desenvolvimento do ensino e a valorização dos profissionais em educação), tornado permanente através da Emenda Constitucional 108/2020, está correndo sério risco de desabar. Embora tenha sido aprovado com alguns avanços em relação ao seu homônimo antecessor, criado em 2006 através da Emenda Constitucional 53, o novo fundo corre sério risco de desaparecer do mapa, caso progridam as intenções do governo de Jair Bolsonaro e Paulo Guedes de operar a desvinculação das receitas orçamentárias prevista na CF de 1988. Explico.

Tanto o primeiro dos fundos, o FUNDEF (EC 14/1996), quanto o FUNDEB, em suas duas versões, a de 2006 (EC 53) e essa de agora, (EC 108/2020), operaram uma arquitetura de movimentação de fundos por meio da subvinculação dos percentuais vinculados na CF de 1988 aos orçamentos públicos. Na primeira versão do FUNDEB, 80% dos 25% mínimos que estados, Distrito Federal e municípios são obrigados aplicar em educação, de um conjunto de receitas próprias e de transferências, eram transferidas para a conta FUNDEB estadual, retornando sob condições. Ao constituírem, dessa forma, o bolo das receitas do Fundo, operava-se nova divisão, sendo destinados 60% do fundo para salários e carreira dos profissionais da educação, no efetivo exercício da função docente, e categorias de suporte pedagógico, indo os demais 40% para a manutenção e o desenvolvimento do ensino. Na versão do FUNDEB de 2006 a União fora obrigada a contribuir com o mínimo de 10% do que estados, Distrito Federal e municípios transferissem anualmente para o fundo. Agora, na versão 2020, a participação da União se ampliará até 23,5%, em 2026, com três modalidades e valores de transferências do FUNDO para estados, Distrito Federal e municípios. Além disso, a parcela destinada a salários, carreira a valorização dos profissionais da educação foi ampliada dos antigos 60% para 70%, restando, portanto, 30% para a manutenção e desenvolvimento do ensino.

Onde está, portanto, a ameaça ao novo FUNDO? De que se constitui a ameaça ao SUS?

Desde 2000, o Brasil está submetido à supremacia dos dispêndios com a dívida pública na execução dos gastos públicos. Ainda assim a dívida nunca parou de crescer, exigindo mais sacrifícios não-financeiros, seja para o pagamento de juros ou de amortizações, além de exigir refinanciamentos anuais da parcela do estoque não paga no ano de vencimento.

Em outubro de 2015, de forma explícita e pública, por meio do Documento intitulado “Uma ponte para o futuro”, elaborado pela Fundação Ulisses Guimarães, do então PMDB, seus autores defenderam a desvinculação das receitas vinculadas para educação e saúde no texto constitucional, sob o argumento que as vinculações tolhem a liberdade do gestor na administração das receitas públicas contidas nos orçamentos e que isso seria essencial para se enfrentar o déficit público nas contas nacionais. Tais argumentos críticos às vinculações já haviam sido levantados, também, em 2011, pela ex-Ministra do Planejamento Míriam Belchior, do governo Dilma Rousseff, quando da votação da PEC 65, que propunha a prorrogação por mais quatro anos da DRU-Desvinculação das Receitas da União. Para a Ministra as vinculações eram expressão de um outro contexto, e não se justificavam mais naquela ocasião.

Os mesmos argumentos voltaram ao debate nas eleições de 2018, quando representantes das candidaturas do MDB (Henrique Meireles) e PSDB (Geraldo Alckmin) alegavam que a constituição engessava a economia, que a constituição não cabia no orçamento e que a desvinculação das receitas era uma necessidade para o reordenamento das contas públicas.

O tema não prosperou no debate da campanha, mas voltou à tona com a posse de Bolsonaro e, de forma mais forte, toma corpo nas Propostas de Emendas Constitucionais 186 e 188, ambas de 5/11/2019. A primeira, chamada de PEC Emergencial, já aprovada e transformada na EC 109/2021, cogitou o fim da desvinculação, mas o tema foi retirado para facilitar a aprovação da PEC e permitir o pagamento de novas rodadas do auxílio emergencial aos desempregados durante a pandemia do Coronavírus. O Relato da PEC, porém, assegurou que mesmo tendo sido retirada do texto, a questão deveria voltar em hora oportuna o mais rápido possível.

A saúde tem vinculações consolidadas desde a EC 29/2000 e da EC 86/2015.

Porém, no corpo da PEC 188 sugere-se que educação e saúde passem a disputar uma só vinculação orçamentária, incluindo-se além disso, tanto em ações e serviços públicos de saúde como em manutenção e desenvolvimento do ensino, nessas receitas, o pagamento dos aposentados, hoje computados por fora dos mínimos constitucionais aprovados em ambas as áreas.

Na prática, a pressão pela desvinculação tem origem: Relaciona-se com a busca de mais receitas públicas nos orçamentos, sobretudo da União, livres de qualquer amarra prévia, a serem destinadas ao pagamento de juros e amortização da dívida pública, dada sua explosão como proporção do PIB, hoje próxima de 100%, situação que se agrava com a redução há décadas das taxas de investimento público-privadas a favor da produção e do emprego, bem como pela queda da arrecadação disso decorrente.

O que ocorre é que os gastos extraordinários com assistência social, por força da pandemia, representaram uma fuga do roteiro pretendido por Paulo Guedes desde o começo do governo Bolsonaro, redigido para garantir receitas destinadas ao pagamento de juros e o abatimento do principal da dívida, assegurando assim aos seus credores, bancos e fundos financeiros, a sustentabilidade da dívida em relação ao Produto Interno Bruto, o que já estava inserido no texto da exposição de motivos da PEC 241, que originou a EC 95/2016. Por isso aconteceu agora a tentativa da desvinculação com a PEC 186. Porém, sua retomada volta à pauta com a PEC 188, que pode ser votada nas próximas semanas no Congresso Nacional. Caso isso ocorra, o FUNDEB vai desabar e o SUS volta a antes da EC 29/2000. Sem a vinculação como se realizará a subvinculação? Mesmo com uma vinculação conjunta, única, para educação e saúde, como se dará a subvinculação apenas para a educação se, nos termos da PEC 188, quando, num ano, houver maior destinação de receitas para educação isso deverá ser compensado pela redução de receitas para a saúde, e vice-versa?

O que está por trás dessa ameaça? O capitalismo segue ávido em seu processo de acumulação pela via das finanças públicas (leia-se dívida pública).

Dessa forma, já desde o começo do século XXI, os interesses dos proprietários do capital têm sido atendidos desde a sanção da Lei Complementar 101/2000, falsamente batizada como Lei de “Responsabilidade Fiscal”, passando por todas as Leis de Diretrizes Orçamentárias e Leis Orçamentárias Anuais desde então, assim como após a aprovação da Emenda Constitucional 95/2016. É só conferir nos textos da LC 101/2000, da EC 95/2016, bem como nos números assinalados nos Relatórios Resumidos da Execuções Orçamentárias anuais, contidos na página da Secretaria do Tesouro Nacional. A ameaça, portanto, ao fim da vinculação e, consequentemente, da subvinculação, é real e pode se constituir em fato consumado quando da votação da PEC 188 nas próximas semanas.

Por isso é necessária a compreensão da supremacia do capital na execução da política fiscal do Estado brasileiro e sua denúncia veemente a todo o país, em especial aos educadores e profissionais de saúde bem como aos usuários da escola pública e do SUS.

O que estão tentando aprovar é um retrocesso de mais de 85 anos, fazendo-nos voltar a antes da Constituição de 1934, quando, pela primeira vez, foi inserida a vinculação de receitas orçamentárias (percentuais) para a educação. Cabe assim ao movimento sindical e popular da educação e da saúde, bem como às entidades acadêmicas, a deflagração de ações que possam constituir força política e opinião pública contra essa barbárie anunciada. Sabemos que as subvinculações e as vinculações orçamentarias, nem de longe, representam, para a educação e para a saúde, a apropriação adequada da parcela da riqueza que o país produz. Orçamento é parte menor da riqueza. Entretanto, ainda assim, as vinculações e subvinculações garantem o mínimo de recursos para que possamos seguir lutando de forma razoavelmente previsível, mantendo também a defesa da revogação da EC 95/2016, pelos prejuízos que tem provocado na adequada e necessária transferência crescente de fundos públicos para as políticas sociais.

À luta, pois. As defesas da vida plena e com dignidade, da saúde universal, equânime e de qualidade, da educação pública, gratuita e de qualidade são incompatíveis com a escalada do ajuste fiscal e da acumulação do capital.

Obs: O autor é professor (Centro de Ciências da Saúde-UFPE), Mestre em Educação pela UFPE e Doutorando em Educação.
Foi Deputado Federal da Comissão de Seguridade Social e Família, autor da Emenda que destinou 50% do fundo dos royalties do pré-sal para a educação e saúde em 2013.

Criador e 1º. Coordenador da Frente Parlamentar de Combate à Corrupção (2004)
Na Câmara Federal foi autor da PEC 162, propondo o Plano Nacional de Desenvolvimento Urbano.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


busca
autores

Autores

biblioteca

Biblioteca

Entrelaços do Coração é uma revista online e sem fins lucrativos compartilhada por diversos autores. Neste espaço, você encontra várias vertentes da literatura: atualidades, crônicas, reportagens, contos, poesias, fotografias, entre outros. Não há linha específica a ser seguida, pois acreditamos que a unidade do SER é buscada na multiplicidade de ideias, sonhos, projetos. Cada autor assume inteira responsabilidade sobre o conteúdo, não representando necessariamente a linha editorial dos demais.
Poemas Silenciosos

Flickr do (Entre)laços
[slickr-flickr type=slideshow]