Dois acontecimentos simultâneos, nesta semana, revelam os grandes contrastes que ainda marcam nosso mundo, neste início de terceiro milênio. No Canadá se realiza o 49O. Congresso Eucarístico Internacional, reiterando o simbolismo da Eucaristia como mesa comum, onde toda a humanidade é convidada a participar.
Por outro lado, a União Européia, que congrega vinte e sete países do velho continente, acaba de votar a “diretiva de retorno”, um estatuto jurídico com severas restrições aos imigrantes, visando claramente barrar sua entrada no continente europeu, e autorizando medidas drásticas para expulsar os que se encontram ilegalmente em seu território.
Calcula-se em oito milhões os imigrantes clandestinos na Europa, entre os quais quinhentos mil brasileiros. De um momento para outro, podem ser detidos por um ano e meio, como providência para serem deportados e reenviados para o respectivo país de origem. A lei é tão dura que prevê a repatriação imediata das crianças, enquanto seus pais são conduzidos para a prisão. Assim os imigrantes vêem seu sonho transformar-se em pesadelo.
Diante desses dois acontecimentos simultâneos, ficam muitas perguntas e sérios questionamentos. Como celebrar a Eucaristia, símbolo da partilha fraterna, enquanto se expulsam milhões de pessoas do banquete da vida?
Por sua grande vinculação com a vida de Cristo, a Eucaristia permanece como um gesto carregado de profundo significado, que precisa ser captado adequadamente. E’ o que todos os congressos eucarísticos procuram fazer. Em Québec, nesta semana, foi lembrado o exemplo comovente dos cristãos martirizados na Argélia. Eles encontraram na celebração eucarística a força e o estímulo para também darem sua vida como testemunho de amor pelo povo argelino, mesmo sendo incompreendidos e mortos.
A radicalidade da Eucaristia, na qual Cristo colocou a memória da entrega de sua vida pela salvação da humanidade, mostra a seriedade e o empenho que são necessários para transformar este mundo, tornando-o a “casa comum”, onde a humanidade pode viver com dignidade.
Não é com medidas punitivas, como a tomada nesta semana pela Comunidade Européia, que se resolve o problema dos imigrantes. Sua existência aponta com clareza para um duplo desafio.
De um lado, é cada vez mais urgente que os benefícios do desenvolvimento sejam colocados à disposição de toda a humanidade, num ingente esforço de crescimento sustentável de continentes e países que ainda se debatem com a miséria. Só assim se estancarão os fluxos migratórios em direção das regiões mais desenvolvidas.
Por outro lado, é preciso superar a cultura do desperdício dos países ricos, cujo padrão de consumo é incompatível com um projeto de desenvolvimento sustentável para toda a humanidade. Os recursos do nosso planeta são limitados. A própria crise atual de alimentos serve de alerta.
Na cena evangélica da “multiplicação dos pães”, que na verdade foi uma “divisão dos pães”, o gesto final de Cristo passa desapercebido. Ele pediu para recolher os pedaços que tinham sobrado. Em questão de alimentos, não se pode desperdiçar nada. Somos chamados para a sobriedade, que abre caminho para a partilha, que nos permite encontrar nossa realização humana não no acúmulo que leva à depredação da natureza, mas na realização profunda do amor e do convívio fraterno.
Para um mundo que perdeu os rumos da partilha, nada mais urgente do que a mensagem do Evangelho, traduzida no gesto da Eucaristia. 28/07/2008
Obs: O autor é Bispo Emérito de Jales.