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“O diálogo é o encontro entre os homens, mediatizados pelo mundo, para designá-lo. Se ao dizer suas palavras, ao chamar ao mundo, os homens o transformam, o diálogo impõe-se como o caminho pelo qual os homens encontram seu significado enquanto homens; o diálogo é, pois, uma necessidade existencial” (FREIRE, 1980, p.42).

Janeiro de 2021. Um estudante recém formado no Ensino Médio, me interpelou na fila de uma lotérica. O primeiro estranhamento, da máscara, em função da Pandemia (leia também sobre Pandemia e lições educacionais. O segundo estranhamento, da abordagem.

Este estudante frequentou minhas aulas de Ensino Religioso e Filosofia no primeiro ano. Sua postura, absolutamente fechada ao diálogo, trazia elementos super, hiper e mega conservadores. Ele tinha dificuldades de dialogar e escutar, pois sempre, a todo momento, tinha algo a dizer e sempre se manifestava, sobretudo para destruir as perspectivas críticas do conhecimento e de análise da realidade.

Na turma da escola, poucos dialogavam com este jovem estudante. Ele tinha ideias muito claras e fixas. Ele tinha a solução para todos os problemas. Seus argumentos sempre vinham na perspectiva de manter o “status quo”, afirmar superioridade e justificar o insucesso na vida daqueles que não conseguiam sucesso (parecidas com as ideias defendidas pelo liberalismo). Suas ideias não eram nada complexas, não permitiam novas perguntas e novos questionamentos. As ideias eram demasiadamente simples e de rápida solução, tanto nas saídas como nas perspectivas pessoais ou sociais.

À época, conseguiu desqualificar-me, de forma descontextualizada, numa atividade pública de escola, por conta de minhas posições políticas e ideológicas (o que não vinha ao caso, naquele momento). Mas, eu pensava comigo: este menino não tem a mesma maturidade que eu, por isso, não devo confrontá-lo.

Como professor sempre atuei, e me esforço para  exercitar, a perspectiva dialógica do conhecimento, o que nem sempre é fácil. O professor pode e deve ter suas convicções e entendimentos de realidade, mas isto não lhe dá o direito de colocar estes acima da compreensão, maturidade e possibilidade de entendimento dos jovens estudantes. Deve permitir a fala dos estudantes, considerando as contradições, imaturidades e desejos de mudança que lhes são intrínsecos.

Este menino, de forma transparente e sincera, interpelou-me, agora, dizendo que havia mudado o seu jeito de ser e de pensar. Disse-me que revisou os seus posicionamentos e pensamentos conservadores e acríticos. Disse que hoje entende a complexidade da realidade, bem como a amplitude dos conhecimentos que qualquer teoria tenta abarcar.

Detalhe: disse-me que teria feito esta revisão por causa do meu método e meu jeito de abordar os conteúdos e conceitos em sala de aula. Exemplificou: “embora o senhor não concordasse comigo, sempre permitiu que eu falasse e nunca deixou de me ouvir. O senhor é o maior responsável por esta recente mudança que fiz de mim mesmo, e eu lhe agradeço muito”.

Suas afirmações me chocaram, inicialmente, mas também me ensinaram muito.   Confirmei, então, acertos de método, sobretudo quando trabalhamos com inexperientes, pensantes mentes brilhantes dos jovens estudantes.

Os jovens, modo geral, gostam do confronto direto, gostam de testar suas inquietudes, incertezas e medos “afrontando” os adultos. Se os adultos respondem com novos afrontes, a tendência é que os jovens se sintam donos da verdade ou seguros de sua razão. Na medida em que os adultos lhes permitem a liberdade da fala sem julgamentos, estes tendem a revisar seus próprios pensamentos, a partir das contradições que os mesmos vão percebendo no seu tempo.

Verdade é que não mudamos as ideias de ninguém, mas podemos, sim, utilizar metodologias dialógicas que levem os outros a darem conta das contradições dos próprios pensamentos, como já nos ensinou Sócrates, com a maiêutica. O sábio Sócrates era especialista em fazer perguntas aos seus jovens interlocutores, fazendo com que os mesmos percebessem a sua ignorância e as contradições do seu pensar.

Princípio da Maiêutica, uma “técnica” utilizada por Sócrates para fazer com que seus discípulos chegassem à verdade dentro de si.

No horizonte de um ensino cada vez menos reflexivo praticado na maioria das nossas escolas, perde-se o benefício da crítica, ou da criticidade e caminha-se, a largos passos, para a alienação dos sujeitos.

A filosofia é sempre atividade perigosa, porque instiga a pensar. Pensar bem, para viver melhor, era desejo dos gregos. Para alcançar o real desenvolvimento humano, recomendavam a sabedoria, a coragem, a temperança e a justiça. Na Grécia Antiga competia-se em tudo, sobretudo no campo das ideias e dos destinos da cidade (polis), tendo em vista ser cidadão (capaz de governar e ser governado). Neste sentido, herdamos o desafio de formarmos seres humanos preparados para viver a vida e a cidadania.

Como viver? É uma das perguntas mais importantes a serem respondidas nos dias atuais. Se “é preciso saber viver”, as formas de construir nossa vida sempre passam ou pelo individualismo ou pela coletividade.

Sócrates (470-399 a.C.) é o grande marco da filosofia ocidental. Mesmo não sendo o primeiro filósofo ele é conhecido como o “pai da filosofia”. Muito disso se deve à sua busca incansável pelo conhecimento e o desenvolvimento de um método para essa busca, o método socrático. Nele, a dialética socrática tinha como objetivo questionar as crenças habituais de seu interlocutor para posteriormente, assumir sua ignorância e buscar um conhecimento verdadeiro. O método socrático busca afastar a doxa (opinião) e alcançar a episteme (conhecimento). Para Sócrates, somente após a falsidade ser afastada é que a verdade pode emergir. Saiba mais.

O exercício cotidiano do diálogo abre sempre novas possibilidades de construir uma vida mais justa, feita através da liberdade, e considerando a possibilidade da felicidade de todos e todas. Este mesmo diálogo permite transformar a rebeldia saudável dos jovens em atitudes cidadãs, a partir do conhecimento gerado pelo reconhecimento das ideias de todos.

O convite que se faz aos jovens estudantes e a todos nós é que nos superemos a nós mesmos, com novas formas de agir e pensar, num espírito de cooperação e amizade. Se a filosofia é arte de pensar, aproveitemos nossas ideias e nossos pensamentos para conquistar novas amizades e novas percepções de vida e de mundo. A humanidade se faz em movimento, de pessoas e de ideias.

A ironia, o diálogo, a crítica, as perguntas, a dialética são conceitos chaves para um pensar crítico, um pensamento aberto e para o exercício de atitudes dialógicas. São parte do caminho pedagógico daqueles que acreditam no conhecimento como ferramenta de emancipação humana, que torna cada um e a todos sujeitos de sua história e da história no seu conjunto.

À medida que a compreensão comum da realidade se desintegra, a política fascista abre espaço para que crenças perigosas e falsas criem raízes. Então fica fácil entender a razão de acabar com cursos de Filosofia e Sociologia. Estas disciplinas permitem a formação do pensamento crítico, essencial para qualquer sociedade se desenvolver. (José Ernani Almeida) Veja mais sobre o assunto. 19/02/2021

Obs: O autor é professor, escritor e ativista em direitos humanos, desde Passo Fundo, RS

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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