Djanira Silva 15 de abril de 2021

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Para onde vamos ninguém sabe. Para outro mundo, para o fundo do mar ou para as dunas do deserto? Ela que sabia de muitas alegrias e de todas as dores, não sabia de nada. Trazia, sim, o pensamento preso, amarrado numa corda elástica, indo e voltando entre o ser o não ser na transcendência que faz a diferença entre tragédia e drama. Lembrou de Prometeu que prometeu a esperança aos homens e foi condenado por acreditar que a tragédia humana não passa de uma farsa – humanamente dominados pelo destino. Deus põe freios nos homens que não conseguem descer as ladeiras, sozinhos.

Quando resolvi escrever meus pensamentos estava até muito lembrada, depois esqueci e achei foi bom. Bom mesmo seria que a gente pudesse espremer o juízo e as lembranças saíssem pelos olhos, pelos ouvidos, pela boca, pelos dedos e eu nem sei o que está acontecendo, vá ver é a inspiração que de vez em quando dá uma de doida e de repente me faz pensar que sou escritora, coisa de que ninguém tem culpa. Nem consigo governar o pensamento doido e como todo doido é livre, entra em qualquer lugar, inventa coisas que até o diabo duvida, não ocupa espaço, manda nos olhares, nas idéias, em tudo. Entra e sai sem pedir licença, sem avisar.

Como abrir a porta, não sei. A mão puxa e não encontra a saída e nem por isso o caminho deixa de existir e nem eu deixo de viver congelada, do lado de fora da vida. Caminhar não me detém, seguir não me faz existir, quando volto invento estradas.

O olhar cria cenas, inventa histórias. A mulher passa, carrega sacolas. O menino anda de bicicleta, joga bola, gente grande se equilibra no meio fio. O jornaleiro entrega o jornal, somos escolhidos sem poder escolher, repetindo as falas, desempenhando um papel bom ou ruim. A mulher diz que não mente e pinta os lábios de vermelho, usa sapatos de salto para dizer que é alta, usa sutiã para empinar os peitos e perfume para esconder o mau cheiro e há quem diga que é transparente. Deus nos livre, se assim fosse a gente poderia ver as lombrigas e o rei na barriga, e já fui a enterro de muito rei que vivia na barriga de gente besta e hoje estou diante de um mundo sabido, de um computador que escreve em vermelho os meus erros, só não posso deixar de pensar, senão minha cabeça cai feito bicicleta parada.

Obs: A autora é poetisa, escritora contista, cronista, ensaísta brasileira.

Faz parte da Academia de Artes e Letras de Pernambuco, Academia de Letras e Artes do Nordeste, Academia Recifense de Letras, Academia de Artes, Letras e Ciências de Olinda, Academia Pesqueirense de Letras e Artes , União Brasileira de Escritores – UBE – Seção Pernambuco
Autora dos livros: Em ponto morto (1980); A magia da serra (1996); Maldição do serviço doméstico e outras maldições (1998); A grande saga audaliana (1998); Olho do girassol (1999); Reescrevendo contos de fadas (2001); Memórias do vento (2003); Pecados de areia (2005); Deixe de ser besta (2006); A morte cega (2009). Saudade presa (2014)
Recebeu vários prêmios, entre os quais:

Prêmio Gervasio Fioravanti, da Academia Pernambucana de Letras, 1979
Prêmio Leda Carvalho, da Academia Pernambucana de Letras, 1981
Menção honrosa da Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1990
Prêmio Antônio de Brito Alves da Academia Pernambucana de Letras, 1998 e 1999 
Prêmio Vânia Souto de Carvalho da Academia Pernambucana de Letras, 2000
Prêmio Vânia Souto de Carvalho da Academia Pernambucana de Letras, 2010
Prêmio Edmir Domingues da Academia Pernambucana de Letras, 2014

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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