(professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio,
decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio *)
agape.usuarios.rdc.puc-rio.br

Estamos em plena celebração do mistério do Natal, uma das festas máximas do Cristianismo e por que não dizer do Ocidente? Por toda parte e em todas as cidades do lado de cá do mundo há ruas enfeitadas, ornamentos festivos, músicas apropriadas tocando.  Por isso mesmo o agravamento da pandemia do novo coronavírus traz uma dor a mais: impedir ou restringir as alegres celebrações familiares com muitas pessoas.

As famílias numerosas terão que subdividir suas festas.  As menos numerosas se reunirão cheias de cuidados.  Crianças não poderão beijar, abraçar ou subir no colo dos avós. As manifestações de carinho serão coibidas em prol da saúde. Há que cuidar de toques, superfícies, gestos e, sobretudo, da proximidade.  Tudo para que não se espalhe ainda mais a Covid que já vem causando tantos estragos e ceifando um número considerável de vidas humanas.

Talvez essas restrições nos ajudem a voltarmos os olhos para o centro do mistério que celebramos: a encarnação do Verbo de Deus.  Natal é a festa de Deus,  que não se aferrou a suas prerrogativas e se fez carne. Carne humana como a nossa, capaz de viver, suspirar, amar, sofrer, morrer.  Portanto, trata-se da festa da humanidade, do gênero humano, da espécie humana.  Embora Criador de tudo que existe, foi em um ser humano que o Verbo, o Filho de Deus tomou carne e habitou entre nós.

O Natal nos convida a celebrar e alegrarmo-nos com nossa dignidade, que é grande, pois somos a única espécie criada capaz de conter o Salvador, de recebê-lo e com ele nos identificarmos. Foi com corporeidade semelhante à nossa que Jesus de Nazaré, o filho de Maria, conhecido como o filho do carpinteiro, andou pelo mundo e foi reconhecido por seus contemporâneos como alguém que estava em meio a eles, a quem viram crescer e aprender as coisas que os meninos aprendem: falar, andar, correr.

Por isso, tantos se admiraram de que esse que viram pequeno e depois jovem, se haja manifestado a Israel anunciando a boa nova da chegada do Reino de Deus na sua pessoa.  Muitos creram nele e depois de sua morte o experimentaram vivo e ressuscitado, proclamando-o Senhor e Filho de Deus.

Há mais de dois mil anos celebramos essa divina e humana festa.  Muitas vezes obscurecendo seu brilho com presentes excessivos e jantares suntuosos.  Este ano, as restrições nos dão uma oportunidade de contemplar mais de perto a inefável simplicidade que faz a grandiosidade infinita deste mistério: Deus se fez carne, assumiu a carne humana.  E fez do seu Natal a festa da humanidade.

O Natal, embora seja evento divino, acontece na cotidianidade mais real e por isso mais terna: uma mulher grávida, uma família pobre tendo que se deslocar por força da lei de um tirano, um parto a termo, mas sem lugar apropriado para acontecer, o nascimento de uma criança que envolve dor, choro e maravilhamento.  Nasceu o menino de Maria, a quem ela pôs o nome de Jesus, no estábulo onde se aqueciam os animais porque não havia lugar em nenhuma das hospedarias da cidade.  Mas o menino nasceu e seu choro rompeu o silêncio da noite.  O milagre da vida aconteceu no estábulo de Belém, como acontece todos os dias nos caminhos, nas ruas, nos ônibus, nos trens, nas casas…e também nos hospitais desinfetados e limpos. Não deixa de ser milagre pelas circunstâncias em que acontece.  O milagre é a própria vida, tão frágil, mas ao mesmo tempo tão forte, capaz de vencer, acontecer e mudar a face da terra.

E como esse nascimento muda a face da terra? A criança sendo limpa e acalentada por sua mãe ajudada pelo marido; o bebê sentindo fome e sendo levado ao seio túrgido de leite da mãe; a mulher dormindo exausta, mas feliz porque o que nascera de seu ventre era bendito, apesar da dor, da dificuldade e da pobreza.  Este é o mistério que se dá na história humana e a faz girar sobre seus gonzos. Esta é a luz invicta que brilhou para todo homem e mulher que já nasceu e nascerá sobre esta pobre e combalida terra.

Diante dessa criança, dessa mulher, dessa família, a Igreja convida: “Vinde adoremos!” Não há nada de excessos nem de pompas.  Apenas um menino envolto em faixas deitado numa manjedoura.  Apenas a bela e comum experiência desta humanidade tão amada por Deus, que é criada à sua imagem e semelhança. Apenas a encarnação de Deus no ventre de uma jovem mulher. Apenas uma vida humana mostrando o caminho da salvação: ser humano, sempre mais, profundamente, alegremente.  Feliz Natal!

 Obs: Maria Clara Bingemer é  autora de “Mística e Testemunho em Koinonia” (Editora Paulus), entre outros livros.

Copyright 2020 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato: [email protected]>

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


busca
autores

Autores

biblioteca

Biblioteca

Entrelaços do Coração é uma revista online e sem fins lucrativos compartilhada por diversos autores. Neste espaço, você encontra várias vertentes da literatura: atualidades, crônicas, reportagens, contos, poesias, fotografias, entre outros. Não há linha específica a ser seguida, pois acreditamos que a unidade do SER é buscada na multiplicidade de ideias, sonhos, projetos. Cada autor assume inteira responsabilidade sobre o conteúdo, não representando necessariamente a linha editorial dos demais.
Poemas Silenciosos

Flickr do (Entre)laços
[slickr-flickr type=slideshow]