O ser humano tem entre suas características básicas o fato de que sonha. Não aqueles sonhos que nos ocupam quando dormimos, mas os sonhos que conscientemente concebemos. Como nos ensinam os filósofos, a causa final, apesar do nome, antecede a causa eficiente, como a meta antecede e determina o percurso. São nossos sonhos que estimulam nossa ação, provocam nossas iniciativas, injeta-nos coragem, fazem-nos resistir às dificuldades. Os sonhos nos levam a olhar para frente, sanar as decepções, relativizar os infortúnios, haurir energias inéditas, orientar nossos passos, fazer-nos viver com sentido. Triste é a vida de quem não sonha!

Quando contemplamos esta frágil criança no presépio, não podemos deixar de pensar em todo o desenrolar posterior de sua vida. Uma vida marcada por um sonho: o sonho de uma humanidade fraterna (Fratelli Tutti!) que invocasse a Deus como o Pai de todos e amasse seus semelhantes por inspiração do Espírito Santo. De fato, através de suas palavras, como no sermão da montanha, e por meio de suas ações de curas físicas, de perdão de pecados, de cuidado com os pobres e necessitados, Jesus proclamava e realizava seu sonho do Reino de Deus. Este sonho é a chave de compreensão de toda a sua vida. Ele explica sua coragem diante das autoridades religiosas, sua liberdade diante das tradições vigentes, sua coerência com o que pregava.

Hoje somos nós, enquanto cristãos, os responsáveis por levar adiante ao longo da história o sonho de Jesus, pois a comunidade cristã não tem outro sentido senão de continuar a missão do Mestre de Nazaré. E nós somos esta comunidade em missão. Porém temos que ser também sonhadores, em face de tanta miséria, sofrimento, injustiça e desigualdade que hoje presenciamos, agravada pela atual pandemia. Sabemos por nossa fé que este sonho só será realidade perfeita na vida eterna com Deus, na Jerusalém celeste descrita no livro do Apocalipse (Ap 21, 9-27).

Cada vez que seguimos os impulsos do Espírito Santo e nos voltamos para nossos próximos (Gl 5, 25), como o fez Jesus (Lc 4, 18), estamos não só tornando o mundo mais humano e fraterno, mas também construindo a futura sociedade no céu, perfeita e eterna, fruto do que plantamos nesta vida através de nossas opções. O que semeamos no tempo eclodirá na eternidade.

Uma série de fatores, já nossos conhecidos, produziu a atual sociedade, desorientada e carente de valores substantivos, entretida pela mídia superficial, presa de ansiedade, de depressão e de solidão, numa palavra, de sentido para a vida. A solidariedade, demonstrada pelas inúmeras iniciativas de ajuda aos mais carentes por ocasião desta epidemia, revelou para seus realizadores não só o que há de melhor no ser humano, mas igualmente que a tão ansiada felicidade humana consiste exatamente em realizar o sonho desta criança recém-nascida. Nestes dias não nos deve surpreender que aflorem nos corações sentimentos de paz, amor, compreensão, perdão, proximidade, e alegria. Aproveitemos para fortalecer nossa fé e renovar nossa participação ativa na realização do sonho de Cristo, que é também nosso. Deste modo recuperamos o sentido autêntico dos nossos votos de um santo e feliz Natal!

*Lc 2, 1-14

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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