professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio *

Creio que não há ninguém que não se recorde onde estava e o que fazia no dia 11 de setembro de 2001, há dez anos. Assim como aconteceu com outros fatos marcantes da história recente: o dia do assassinato de Kennedy, por exemplo; ou do atentado à vida do Papa João Paulo II.

Lembro bem de todos. Mas do último especialmente. Minha filha mais velha trabalhava em um banco em plena Manhattan. Meu filho fazia mestrado em Georgetown, Washington DC. Eu participava de um seminário de mística comparada em Juiz de Fora, no delicioso e sossegado seminário da Floresta. Reunidos estudantes de pós-graduação, pesquisadores e professores de várias universidades, refletíamos sobre os textos dos grandes místicos cristãos, sufis, judeus e hinduístas.

E, de repente, o telefonema de meu marido, chamando do Rio de Janeiro, ao meio dia. Fui atender com o coração meio apertado. Ele raramente me chama no meio de um dia de trabalho. Atendi…mas não entendi. Ele dava explicações sobre já haver falado com nossos dois filhos e que estavam todos bem etc… Eu ouvia calada, enquanto me perguntava: Mas por que não estariam bem, meu Deus? Foi quando passei do silêncio à pergunta direta.

Sua resposta veio em tom de indignação: O mundo está caindo e você não sabe de nada? Não sabia realmente. Ali não temos televisão e o telefone é escasso. Os celulares pegam mal, o sinal é baixo. Estávamos realmente protegidos, até aquele instante, da terrível notícia que dividia a história contemporânea do Ocidente entre um despreocupado e algo arrogante antes e um traumático e apavorante depois. O centro do império americano fora atacado de maneira inesperada e trágica. As duas torres gêmeas do World Trade Center, símbolo fálico do poderio econômico e financeiro estadunidense, esfacelavam-se sob os olhos atônitos da população mundial, deixando 3 mil vítimas.

Durante estes dez anos que se seguiram, não paramos de referir-nos a esse acontecimento que feriu de morte o início do novo milênio e do recém estreado século XXI. Com várias atitudes e reações diferentes, em ampla gama emocional, indo desde a revanche até o dom solidário da vida e o gesto edificante do perdão gratuito e digno. Em meio a este turbilhão de sentimentos e emoções, registro a minha: o não entendimento.

Há certas coisas na história humana que não entendo, como, por exemplo, que uma ideologia absurda e ensandecida consiga firmar-se a ponto de enviar para a morte certa e cruel seis milhões de pessoas. A Shoa, o holocausto nazista da segunda guerra mundial, sempre foi um mistério para mim. Quanto mais leio e estudo os dados objetivos que a história e a ciência política nos fornecem, menos entendo. Como é possível que o ser humano seja tão cruel e predador? Como é possível que a consigna de eliminar da face da terra todo um povo possa prevalecer e ser justificada por tanta gente? Como é possível que isto tenha de fato acontecido?

Com o macabro acontecimento de dez anos atrás passa-se o mesmo. Estudam-se as hipóteses, sobre elas se reflete, algumas parecem mais verossímeis que outras. Mas confesso que custo a entender como seres humanos acabam com sua vida e a de várias outras pessoas inocentes daquela maneira? Como é possível que aquilo tenha realmente acontecido? Como a violência humana pode chegar a este ponto e manifestar-se com tal requinte e brutalidade?

Hoje, dez anos depois, essa perplexidade continua a acompanhar-me. De posse de outros elementos acumulados ao longo desta década creio poder chegar a algumas conclusões. E uma delas é verificar que a vingança e a revanche não levam a nada nem nada previnem. As guerras unilaterais desfechadas pela nação agredida contra várias outras só fez aumentar e perpetuar o mar de sangue que o ataque às Torres Gêmeas inaugurou de forma tão sombria. Conseguiram apenas que o sangue derramado em Nova York e Washington agora corra como caudaloso rio no Afeganistão, no Paquistão, no Iraque.

Assim como dos escombros da Shoa emergiu um novo discurso sobre Deus que o identifica com as vítimas e o revela como salvador de todos, inclusive dos carrascos, também pode acontecer algo parecido com as cinzas do 11 de setembro. Urge aprender as lições do evento para encontrar um novo discurso e, sobretudo, uma nova práxis – feita de perdão e misericórdia – capaz de varrer da história humana a violência assassina que a todos vitima e agride toda forma de vida. Mais do que perguntar onde estávamos há dez anos, talvez mais urgente seja perguntar onde estamos agora e o que estamos fazendo concretamente para construir a paz.

* Autora de “Simone Weil – A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco).
http://wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape/

Copyright 2011 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – É proibida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária ([email protected])

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