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Meus queridos amigos

Os tempos passam, os séculos se sucedem e continuamos a ver pelas ruas mães acompanhadas de filhos menores, já capazes de andar, e mesmo as mães mais solícitas, continuam a esquecer que cada passada normal de adulto vale, pelo menos, meia dúzia de passos de crianças. Clássicos latinos já observaram que de vez em quando a criança precisa dar umas carreirinhas para alcançar as passadas maternas.

Lembro-me da nossa atitude para com o povo. Muitos vencem o preconceito errado de que o povo não vê nada, não sabe nada e é incapaz de qualquer planejamento, por mais simples que seja. Mas na hora de trabalhar com o povo e não para o povo, se esquecem de que o povo tem experiencia de vida, em geral, muito maior do que a nossa, mas não teve, não pode ter, os anos de estudos e de leituras que nós temos. Começam a dar passadas tão largas que obrigam o povo a dar carreirinhas para acompanhar-nos.

Quantas vezes, cedemos a uma tentação muito grave e muito séria.

Com a alegação de que não há tempo a perder, sabemos que nós sabemos fazer, sozinhos, mais depressa e com mais segurança e perfeição, achamos mais fácil e melhor fazer sozinhos do que esperar que o povo faça.

Muita coisa o povo sabe fazer melhor que nós. O que depender de livros, de estudo, claro que quem pode ter o privilégio de anos de estudos e leituras vai fazer melhor e com mais rapidez.

Se não tivermos a inteligência e a coragem de esperar que o povo tente, que o povo faça, mesmo que a princípio demore mais e faça e não apenas para o povo, com defeitos, se não tivermos a decisão de, verdadeiramente, trabalhar com o povo, não teremos a alegria de ver o povo crescer!

A tentação de quem tem dinheiro é tudo querer resolver na base de dinheiro. Assim, o povo jamais vai descobrir que riqueza, a maior de todas, maior que qualquer dinheiro nos bancos, é o povo se unir para fazer o bem. Cada um, isolado, pode muito pouco. Praticamente não pode nada. Não vale nada.

O povo junto para enfrentar construtivamente os problemas da comunidade é a riqueza autêntica das autenticas democracias. Enquanto o mundo inteiro, os governos, não acreditarem na capacidade do povo e tudo planejarem nos gabinetes, e tudo decidirem com técnicos e supertônicos, o povo ficará marginalizado. Mas os governos serão os maiores prejudicados. Tudo que é resolvido para o povo, sem o povo, é artificial, não funciona… Quando aprenderemos a acertar o passo, quando aprenderemos a andar juntos?
Quinta-feira, 23.9.1976

Obs: *Mais uma das crônicas escritas por Dom Helder Camara para o seu programa de rádio UM OLHAR SOBRE A CIDADE, exibido na rádio Olinda às 06h55 de 01 de abril de 1974 a 22 de abril e 1983. Está crônica está publicada no livro “Meus Queridos Amigos”, que reúne 200, das centenas de crônicas lidas por Dom Helder ao longo dos nove anos de duração do programa.

 Imagem e texto enviados pelo IDHEC – Instituto Dom Helder Camara
. Ver AUTORIZAÇÃO do IDHEC no item OBRAS LITERÁRIAS.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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