Frei Betto 15 de setembro de 2020

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O ser humano é ontologicamente gregário. Nasce como fruto de uma relação a dois, em família, e necessita em média doze anos de cuidados para se tornar um indivíduo autônomo. Sua identidade é moldada pelo olhar do outro. Freud e Lacan consideram que o olhar alheio é fundamental na constituição do sujeito. Desde o próprio nome, que a pessoa não escolhe, ao fato de se sentir amado, rejeitado ou odiado.

A solidão não é para amadores. O primeiro requisito para suportá-la é o olhar que se tem de si mesmo. Quem não se ama não a suporta. O filme “Uma noite de 12 anos”, sobre o longo encarceramento de José Mujica, ex-presidente do Uruguai, em celas solitárias, comprova que os valores éticos e políticos que abraçara o impediram de enlouquecer.

Já os políticos autoritários, imbuídos de baixa autoestima, necessitam de plateia para se sentirem vivos. Trancados entre quatro paredes, sabem que, ao contrário da afirmação de Sartre, o inferno não são os outros, está neles mesmos. Por isso, urgem vir a público e, como dizia Chacrinha, atirar bacalhaus à claque. Mentem, vociferam, agridem, ameaçam, desde que ocupem o proscênio o máximo de tempo. Seus acólitos, desprovidos de qualquer senso crítico, adoram.

A pandemia nos impõe o isolamento. Seja individual, seja em família, quem tem condições de ficar em casa. Em um país tão injustamente desigual como o Brasil, ficar em casa, para a maioria, é evitar a morte por doença para expor-se a ela por fome.

Passados quatro meses de quarentena, governos municipais e estaduais, pressionados pelo poder econômico, iniciaram a flexibilização. E muitos que se encontravam reclusos e já não suportavam o “cárcere” doméstico, passaram a surfar nessa abertura.

Ainda que contrariando leis e recomendações sanitárias, as aglomerações se multiplicam em bares, restaurantes, parques e praias. E os donos das escolas particulares batem o pé para que os governos permitam, o quanto antes, as aulas presenciais, ainda que isso represente risco de contaminação para professores, funcionários, alunos e suas respectivas famílias. O caixa fala mais alto que a ameaça de caixão…

Observe-se como age a fiscalização. Nosso aparato policial, (de)formado na lógica da naturalização da diferença social, atua com rigor quando encontra aglomerações nas periferias e nos bairros habitados por famílias de baixa renda. Porém, põe luvas de pelica ao chegar aos redutos onde se comprimem aglomerados de classes média e rica. No Brasil, todos são distintos perante a lei…

Tudo isso incentivado por um presidente necrófilo, que sente prazer com a morte alheia, o que os alemães definem como “Schadenfreude” (derivado de “Schaden”, dano, e “Freude”, prazer). Por isso se justificam as denúncias às cortes internacionais de Justiça de que, no Brasil, se comete um genocídio premeditado. A motivação de Bolsonaro não é amar o seu povo, e sim armar e anular toda medida que proteja a vida alheia, desde a obrigação de cadeirinha de bebê nos veículos aos cuidados da saúde dos povos indígenas, do uso de máscara à obrigatoriedade de possível vacina contra a Covid-19.

Reage, Brasil!

Obs: Frei Betto é escritor, autor de “Conversa sobre fé e ciência”, com Marcelo Gleiser e Waldemar Falcão (Agir/Nova Fronteira), entre outros livros.

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