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Fugi tudo que pude ao destino de ser professora.

Fadada desde sempre, oscilava entre o desejo, surgido ainda na infância, de querer mudar o mundo, salvando as crianças barrigudinhas, que via brincando na beira das valas negras, sem calças, nem sapatos (quando ia a Duque de Caxias aos domingos, visitar meus avós) e a premência de escrever poemas, surgida mais ou menos na mesma época.

Adolescente ainda, comecei a dar aulas particulares. Os alunos eram aqueles em que as escolas não apostavam o suficiente para dedicar-lhes a atenção individual que necessitavam, pediam, desejavam. Acolhidos, meus discípulos-problema convertiam-se em bons estudantes. Descobri que o caminho certo era pelo afeto, pelo zelo.

Quando me chegaram os filhos, com seu crescimento, fui em busca de uma escola boa o suficiente. Juro que tentei. Não havia. Ousei. Transformei, então, minha necessidade de dar-lhes uma educação de qualidade numa oportunidade para muitos.
Em 1974, ainda com 24 anos, fiz erguer a placa da Escola Viva, numa casa de muitas janelas azuis, no centro de Petrópolis. Paredes pintadas com ilustrações poéticas, transformamos sucatas em brinquedos que não se compravam em lojas. Fomos um sucesso desde o início!

15 anos de trabalho contínuo, noites espremidas em dias quase intermináveis, de sonhos arrebatadores, de paixão alucinante por projetos, que brotavam  tanto do brilho dos olhos, como das risadas ou tristezas das crianças. Delas sempre veio a Luz da criação e a coragem para não desistir e ousar cada dia um pouquinho mais.

Ainda sob as restrições dos tempos de perseguições e mediocridade, criamos um oásis de esperança, vivido na espontaneidade, na honestidade, na franqueza, no reconhecimento de nossas limitações e ao mesmo tempo na dedicação extrema a cada menino e menina, a cada família, a cada funcionário, a cada colaborador.

Meu Deus, como era bom!

Acompanhei o crescimento dos alunos, a hesitação dos pais, o desalento dos professores, suportando a hostilidade de uma parte da sociedade extremamente conservadora numa cidade que, ainda hoje, insiste em se gabar de ser imperial. E posso dizer que contribuí para que houvesse um sopro de saúde contagiando e vivificando a atmosfera local.

Depois, a Escola Viva seguiu seu destino e virou Centro Cultural.  E assim, insiste em manter desperto, ainda hoje, seu compromisso com as culturas brasileiras…

Hoje, 43 anos passados, num Brasil combalido, procuro em minhas lembranças, um esboço de roteiro, pra passar adiante àqueles que persistem em acreditar no único verdadeiro caminho de transformação humana: o da Educação.

Sempre afirmei minha crença em que as grandes mudanças se fazem do individual para o coletivo e que, por isso mesmo, a dedicação a cada ser humano, que estamos a formar, é fundamental para virmos poder criar um mundo melhor, mais justo, mais harmonioso, mais feliz.
Qualquer tipo de discriminação e de segregação, qualquer espécie de seleção e estratificação, toda forma de avaliação quantitativa e de nivelamento é incompatível com o trabalho de formação de seres humanos livres e dignos.

O caminho é aquele mesmo que a menininha, olhando pela janela do carro, ao passar pelas ruas sem saneamento básico, na baixada fluminense, já adivinhava: é preciso juntar alma,  mãos e boas palavras  para iniciar, imediatamente, o trabalho. E fazê-lo com intensidade e comprometimento. Sempre!

Minha gratidão aos muitos professores, educadores, mestres, adultos, jovens ou crianças, que ainda estão por aqui ou já partiram, com quem venho compartilhando meu percurso. (15.10.17)

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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