
Sentada à janela do quarto comunitário, deixou-se olhar a noite. Tudo em volta era silêncio. Olhou a filha dormindo ao lado. Vitória. Nove anos e já conhecia o pior da vida.
Por mais que vivesse jamais conseguiria entender o que o pai sentia pela filha. Desde que soubera da gravidez, transformara-se em ódio. Ódio que foi crescendo ao longo dos anos e culminara naquele último ato. Nenhuma palavra seria forte o suficiente para traduzir a dor de ver a filha sendo violentada pelo próprio pai. Nenhuma justiça seria suficiente para cicatrizar a ferida. Nem mesmo a justiça das próprias mãos.
Quis matá-lo. Um animal assim não merecia viver. Não conseguiu. Então o denunciou. As consequências vieram com a força das marcas que seu corpo ainda guardava. Por mais que a violência do marido lhe doesse, havia a satisfação de ter salvado a filha. Estas lembranças ainda doíam e doeriam para sempre.
Não tinha mais medo. Sabia que a lei não a salvaria. Ainda assim, a cada dia se sentia mais forte e mais certa do que deveria fazer. Era como estar num imenso túnel, mas com a certeza de que ao final havia uma luz.
Sua vida era a preparação para a morte. Dele.
Obs: A autora é mineira. Formada em- Letras pela UFMG, pós-graduou-se na UEMG em Administração Escolar. Às vezes é prosa, outras, poesia. Participou de várias coletâneas, Livro da Tribo, revistas e jornais literários, impressos e virtuais, com poemas, crônicas e contos. Publicou três livros de poesia pela Editora Penalux: Equilibrista (2016), Pontiaguda (2017), Náufraga (2018). Ainda este ano publicará seu primeiro livro de contos e o quarto de poesia.