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De uma hora para outra, como num passe de mágica, tudo mudou. Grandes, médias e pequenas cidades ficaram desertas por dias e semanas a fio. O comércio parou. Não vende mais o supérfluo e nem o essencial. Estudantes foram impedidos de ir às escolas, faculdades e universidades; e fiéis de frequentar os templos. Fomos proibidos de realizar festas, jogos de futebol e qualquer outro tipo de aglomeração. Orientados por profissionais da saúde, por cientistas, e por muitas pessoas sensatas e responsáveis, passamos a nos isolar do convívio social.

Fomos reeducados a nos lavarmos e nos higienizarmos. É verdade que muitos não tinham e não têm água, nem sabão, desinfetante, álcool em gel ou em líquido. Visitar-nos, nos abraçar e nos beijar virou um grande perigo. Vimos de forma cabal que isso é da essência dos humanos. Mas, agora não podemos. Enquanto isso, algumas autoridades insanas também agiram com grosseria, estupidez, irresponsabilidade e insensatez, desrespeitando as vozes conhecedoras da matéria e os gritos de dor advindos da própria realidade.

Fomos orientados com insistência a tomar distância de idosos, doentes e grupos de risco. Isso que nos era impensável e inconcebível, agora virou um ato de amor. Fomos apartados do mundo real (ficamos apenas com o virtual, do qual muitos já não estavam saindo) e obrigados a nos circunscrever em nosso interior pessoal, em nossas casas ou casebres. Tudo pela emergência inesperada e atroz de um vírus em forma de coroa, que veio para reinar sobre a vida e a saúde dos habitantes pensantes desse planeta. Trouxe-nos a doença, a morte, o desespero e o pânico.

Agora já estamos em uma nova desordem global e globalizante. Nela os desprezados médicos de Cuba se tornaram importantes. Foram enviados e aceitos em várias partes do mundo para prestar ajuda, compartilhando seu saber e sua solidariedade. Muitos outros profissionais desvalorizados, de repente, passaram a ser vistos como heróis. Agora o risco país não tem mais destaque porque todos os países ficaram em risco e perigo. Deixou-se de falar dos países emergentes e dos países desenvolvidos como mais importantes que os países pobres porque o que emergiu e se desenvolveu foi um vírus violento que fez todos se sentirem muito pobres e impotentes.

Na nova conjuntura geopolítica e econômica, a bolsa de valores que pulsava, ficava nervosa e, vez por outra, se abrandava, agora parece que perdeu seu foco e seu valor. Na verdade, muitos passaram a perceber que, dentro e fora das bolsas, o maior valor é o da vida. Até alguns poucos poderosos deste mundo neoliberal, “milagrosamente” e repentinamente perceberam isso. Contudo, ainda não é possível saber se essa conversão abrupta de pensamento irá perdurar para além do pico da pandemia.

Adentramos agora no ciclo da desordem sistêmica, globalizada e pandêmica. Atravessamos a linha vermelha do limite da saúde civilizatória, diante da qual precisamos decidir se seguimos rumo ao caos total ou se aproveitamos as experiências, os recursos econômicos, científicos e tecnológicos para nos reposicionarmos em direção a outra ordem global. Agora orientada pela justiça social e econômica, pelo respeito mútuo, pela solidariedade e pela sustentabilidade integral.

Os tempos não apenas parecem apocalípticos. Eles o são. Muito à semelhança das imagens bíblicas da Torre de Babel e do dilúvio, do qual só se salvou Noé (o justo), sua família e representantes das espécies animais. O vírus mostrou seu superpoder sobre nossa saúde, sobre nossa economia, sobre nossa cultura, sobre nossos relacionamentos interpessoais, familiares, sociais, entre os países e os continentes. Com sua governação globalizada, ditatorial e democratizada ao mesmo tempo, está desafiando a humanidade a se reposicionar. Para onde iremos?31.03.20

Obs: O autor é Doutor em Sociologia, pós-doutor em Educação e professor da Universidade Federal do Sul da Bahia

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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