O País que cuida das suas crianças é um País abençoado por Deus, assim promovendo a                      verdadeira: “Ordem e Progresso”.

           “Feliz o povo cujo Deus é o Senhor, e a nação que escolheu por sua herança! Dos altos céus o Senhor olha e observa; Ele se inclina para olhar todos as pessoas.  Ele contempla do lugar onde reside e vê a todos os que habitam sobre a terra.  Ele formou o coração de cada um e por todos os seus atos se interessa”. (Sl 33, 13-15)

1 – Um pouco da História

“A Pastoral do Menor (PAMEN), mesmo com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), sobre o qual dispõe a Lei Federal 8.069 de 13 de julho de 1990, que dá um novo rosto à terminologia na abordagem da infância e adolescência, mantém, desde 1977, inalterada sua denominação tendo em vista que:

 * A PAMEN já construiu uma identidade ao longo de sua existência;

 * A PAMEN não entende por “menor” a caracterização negativa adotada pelas políticas contemporâneas ao Código de Menores, instituído pela Lei Federal 6.697, de 10 de outubro de 1979;

 * A PAMEN quer trazer sempre viva a proposta da mística evangélica de acolhida aos pequenos, lema da Campanha da Fraternidade de 1987: “Quem acolhe o menor a mim acolhe” (Mc 9,37), compreendendo “menor” como aquela criança e adolescente esquecido, rejeitado e excluído dentre todos;

 * O termo “menor” consagrado na nossa história pastoral é teológico e não jurídico.  Somos Pastoral do Menor a serviço da vida de crianças e adolescentes, especialmente aqueles mais empobrecidos e violados em seus direitos.

A PAMEN faz a leitura da história do Brasil percebendo que as crianças e os adolescentes empobrecidos sempre estiveram aí presentes. Ao longo da história do Brasil, várias propostas foram aventadas e muitas postas em prática, tanto pela Igreja, quanto pelas organizações da Sociedade Civil e pelo Estado.

Constatou-se, porém, que tais soluções propostas frequentemente careciam de uma postura crítica diante da situação sócio-política-econômica em que viveu e vive o povo brasileiro. Elas partiam do pressuposto de que a ordem estabelecida estava dentro dos parâmetros normais e que pobreza, miséria, meninos e meninas em situação de rua eram quadros sociais peculiares, que representavam uma parte da população que não tinha sabido vencer na vida.

A história da PAMEN encontra seu embrião de compromissos com os direitos humanos da infância e da adolescência em diversas atividades de atendimento, que não se denominavam “Pastoral do Menor”, mas que traziam em si alguns princípios e critérios que norteavam tais ações.

A preocupação pela situação das crianças e adolescentes em situação de risco consistiu em intuições proféticas espalhadas pelo Brasil e é nesse quadro que surge a PAMEN como força que busca a organização das respostas às necessidades das crianças e adolescentes empobrecidos, de forma efetiva.

A partir de 1987, com a Campanha da Fraternidade que se baseou no lema “Quem acolhe o MENOR a MIM acolhe”, a Igreja deu um novo impulso a essa questão da criança e do adolescente em situação de risco, atendendo-os de forma mais comprometida por meio da PAMEN que se organizava em todo o país”.

(Introdução tirada do manual da Pastoral do Menor Nacional: Princípios, Diretrizes e Organização,  edição 2017).

O pai da Pastoral do Menor no Brasil é, sem dúvida, o Bispo Dom Luciano Mendes de Almeida, que articulou os primeiros passos para atender uma situação desumana de mais ou menos sete milhões de “Menores” que, naquela época, trabalhavam e/ou viviam nas ruas perambulando pelas  cidades deste imenso Brasil.

Dom Luciano era membro da CNBB, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, e foi nomeado como Bispo Responsável para incentivar os trabalhos que atenderiam aos meninos e meninas que viviam em situação de risco pessoal e social, perambulando pelas ruas das cidades, sem condições para uma vida digna, neste País notado por sua singular hospitalidade: Brasil.

Dom Luciano criou uma frase que descreve bem o porquê dessa situação:

“O menor não é o problema; o menor é a solução”.

Estas palavras do Dom Luciano fazem eco com as palavras da Constituição Federal, Artigo 227:

“É dever da família da sociedade e do Estado ao assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito a vida, a saúde, a alimentação, a educação, ao lazer, a profissionalização, a cultura, a dignidade, ao respeito, a liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Na época, a causa da presença de sete milhões de menores nas ruas do Brasil era por falta de uma vida digna que afetava todas as dimensões da sua vida: corpo, inteligência, vontade, coração, espírito.  Este é o sinal que o Dom Lúcio falava: Proporcionando condições de uma vida digna para os menores e para todas as famílias necessitadas, resultaria numa solução para uma grande parte dos problemas da nação.

Faltava uma moradia bem estruturada com espaço suficiente para uma convivência digna onde  pudessem se sentir bem em casa e não irem para a rua; uma casa onde se sentissem motivados a cuidar e não fugirem de uma situação de pobreza lastimável; fugirem de um lugar onde “não aguento mais”, ficarem num espaço apertado, com  água pingando pelos buracos quando chovia; mãe e filhos reclamando pela falta de comida; tendo que comer, muitas vezes, manga verde com sal, para “matar a fome” em vez de “satisfazer a fome” comendo algo nutritivo e prazeroso.

Era natural para os pais saírem em busca de “bicos”, para poderem trazer algo para casa. Ainda hoje acontece que a mãe, viúva por abandono do marido ou companheiro, precisa sair em busca de trabalho informal. Muitas vezes, devido a situação, necessita deixar os filhos sozinhos, quando não o dia todo, pelo menos, uma parte dele.  Às vezes a mãe tem que confiar o cuidado dos filhos e da casa a um dos filhos mais velhos. Quando não se tem filhos capazes de assumir esta responsabilidade, é necessário deixar na casa de terceiros, como parentes ou vizinhos; quando isso não é possível, ela é obrigada a deixar os filhos trancados na casa, com a televisão ligada para distrair os pequenos até o seu retorno no final do dia.

Tira o direito dos mesmos de brincar e correr com seus colegas e ter a oportunidade de convivência familiar, roubando parte importante de sua infância. Ao mesmo tempo os coloca numa situação vulnerável de possíveis aliciadores.

Diante de todas essas situações fica previsível os diferentes problemas que poderiam aparecer e a vulnerabilidade a que os filhos estão expostos.

Alguns casos destes são denunciados pelos próprios vizinhos ao Conselho Tutelar, e a mãe corre o risco de perder a guarda dos filhos. Quando acontece isso, e é confirmada a situação de vulnerabilidade que os pequenos estão expostos, os filhos podem ser retirados de suas famílias e entregues aos cuidados dos agentes do Abrigo e perdem o direito provisório de conviver com a mãe; correm o risco de perder até o vínculo familiar.

Nesses casos os Abrigos tentam proporcionar um ambiente fraterno e feliz, mas não conseguem substituir o ambiente familiar e o amor materno.

Dom Luciano, com o apoio de outros interessados na causa dos menores que viviam na rua, iniciaram o que se chama hoje de Pastoral do Menor (PAMEN). Os primeiros passos foram dados no ano de 1977 na cidade de São Paulo e tida por algum tempo como uma das prioridades da CNBB. A urgência em dar uma resposta à realidade em que viviam as crianças e adolescentes em situação de rua, conscientizou a propagação do projeto, PAMEN, por todo o país.

 Na Diocese de Santarém, o, então, Bispo Dom Thiago Ryan OFM, foi o incentivador dos trabalhos voltados para o campo no cuidado da criança e adolescente.

 Da janela do seu escritório localizado ao lado da Catedral, ele via a situação de meninos engraxates ocupados na Praça da Matriz, hora trabalhando, hora brincando, hora brigando e, muitas vezes, incomodando os frequentadores da praça, um lugar de descanso e de negócio.

Em 1982, preocupado com a situação desses menores, Dom Thiago pediu ao Irmão Ronaldo Hein, da Congregação de Santa Cruz, que coordenava a Pastoral Escolar Diocesana e era professor no Colégio Dom Amando, para fazer um contato com esses menores da Praça da Matriz.

No primeiro contato com as crianças e adolescentes, fiquei impressionado com a sua situação. Eles viviam expostos e vulneráveis naquele ambiente, sem acompanhamento. O que dava sentido à vida daqueles meninos era poder trabalhar e ajudar na sobrevivência das suas famílias. Eles eram os responsáveis para colocar comida na mesa, para a família não passar fome, ou fornecer uma pequena renda a mais com a intenção de aliviar as despesas para sua mãe. Ela, também, em alguns casos, precisava trabalhar fora de casa, o que era algo que acontecia de forma até natural. Os engraxates ficavam felizes quando conseguiam levar uma ajuda para casa.

Para trabalhar com este grupo de 12 engraxates com tantos problemas pessoais, familiares e sociais, era necessário ter uma ajuda de pessoas sensíveis às necessidades desses menores. Fui buscar apoio com os educadores da AEC (Associação de Educadores Católicos) uma organização composta de educadores católicos e cristãos, não católicos, que estivessem disponíveis para fazerem parte do projeto. Depois de algum tempo, além da AEC, se conseguiu sensibilizar um grupo que já trabalhava como educadores na Pastoral Escolar Diocesana, que se dispôs para este trabalho. O primeiro grupo da AEC constava com o  Filomeno Das Chagas Silva, Eliete Pereira Lima, José Alcântara Cruz, Georgete Ferreira de Oliveira, Maria Alzira Quaresma Ferreira, Benita Lobato, Cassilda Andrade.

Os primeiros encontros com os engraxates foram realizados aos sábados, das 11 às 12 horas, no local de trabalho deles, na própria Praça da Matriz. Os primeiros contatos com essas crianças e adolescentes foram para escutar, conversar e incentivar o respeito mútuo entre eles e para com os fregueses, e incentivá-los a fortalecerem os vínculos familiares. Também, além de continuarem trabalhando para levar algo para casa, que eles retomassem os estudos, já pensando no seu desenvolvimento humano e um possível bom futuro; e evitassem perambular pelas ruas do comercio.

Em 1986 conseguimos mais voluntários da equipe de Catequese Escolar: Anete Costa, Rosineide Alcântara, Orcy Martins, Inêz Pinho, Rute Delgado, Joaquim Costa, Raimunda Ana e Domingos Teixeira.

Passou pouco tempo e conseguimos duas jovens voluntárias: Bernadete de Lourdes Martins e Rosélia Oliveira Elias.

 Com o passar do tempo o número de menores trabalhadores foi aumentando. Além dos engraxates, apareceram os vendedores ambulantes, carregadores no mercado municipal, jornaleiros, flanelinhas e lavradores de carro.  Vendo aquela realidade que sensibilizava à todos nós da equipe, não foi diferente com o Pe. Valdir Serra, então Vigário da Catedral, que disponibilizou o salão paroquial para que acontecessem nossos encontros com os menores de forma mais organizada.

Dentro de todo este movimento, uma novidade para a sociedade santarena foi quando o dono do Jornal de Santarém, Artur Martins, publicou a imagem da carteira de identidade dos engraxates numa das edições do jornal. Eles ficaram muito felizes por serem reconhecidos como gente que estava contribuindo para a sociedade. Este fato aumentava a confiança no seu serviço enquanto trabalhador e também, exigia deles um comportamento melhor com mais respeito para o ambiente e para as pessoas da praça.  Também foi estabelecido uma tabela de preços para os vários tipos de calçado para que fossem honestos para com os fregueses, enquanto, entre eles, cobravam o mesmo preço para tal serviço.  Antes desta tabela havia briga entre eles para atender os fregueses, cobrando preços mais baixos para “ganhar” o freguês do colega.

Obs: Texto retirado do Livro do autor Pastoral do Menor, com a sua autorização.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


busca
autores

Autores

biblioteca

Biblioteca

Entrelaços do Coração é uma revista online e sem fins lucrativos compartilhada por diversos autores. Neste espaço, você encontra várias vertentes da literatura: atualidades, crônicas, reportagens, contos, poesias, fotografias, entre outros. Não há linha específica a ser seguida, pois acreditamos que a unidade do SER é buscada na multiplicidade de ideias, sonhos, projetos. Cada autor assume inteira responsabilidade sobre o conteúdo, não representando necessariamente a linha editorial dos demais.
Poemas Silenciosos

Flickr do (Entre)laços
[slickr-flickr type=slideshow]