(professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio,
decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio *)
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Não é de hoje que o movimento da vida é comparado ao de uma  gangorra. O brinquedo no qual se sobe e desce alternadamente nas extremidades de uma longa trave apoiada sobre um espigão faz as delícias das crianças.  E também dos adultos muitas vezes. Pelo movimento que faz subir e descer, não podendo jamais estacionar ao mesmo nível, o significado de gangorra é associado à  insegurança, incerteza, instabilidade.

 Daí a comparação com a vida, que é o território das surpresas e dos inesperados, levando ora para cima, ora para baixo, aqueles que nela estão embarcados pelo nascimento e que só chegarão ao porto no momento da morte. Nada mais inseguro, instável do que a vida.  E, no entanto, como é apaixonante, bela, preciosa.  Tudo que sabemos é que não pedimos para nascer, mas não queremos morrer.  A gangorra em movimento nos fascina e nela queremos estar, sem parar e sem desistir. E os pequenos que estão começando a viver se deliciam com o movimento para cima e para baixo, incessante e constante.

No entanto, há alguns dias esse tradicional brinquedo ganhou a mídia e as redes sociais com novo significado.  Tudo porque dois professores da Califórnia resolveram através não de uma, mas de várias gangorras, subverter o bloqueio e o terror instaurados na fronteira entre México e Estados Unidos. A política migratória, cada vez mais dura do Presidente Donald Trump, tem tido como consequência violência, mortes e deportações na fronteira entre os vizinhos do norte e do sul.

Dois artistas que são também educadores resolveram inverter a mensagem de obstrução e interdição que o muro representa.  Em Sunland Park, no estado de New Mexico, foram instaladas gangorras que, deflorando a violência fria e inexpugnável do muro, chegam a Ciudad Juarez, do outro lado.  E assim convidam à brincadeira e ao balanço tanto estadunidenses como mexicanos, adultos e crianças, pessoas que se encontram de um lado e outro da fronteira.

Desde o último dia 29, as gangorras foram instaladas e começaram a ser usadas.  De um lado, Sunland Park, do outro Ciudad Juarez, uma das mais violentas na fronteira mexicana, onde o feminicídio tem taxas altíssimas e tem havido muitos casos de estupro, violência e morte com os migrantes que por ali passam.

A ideia dos dois professores, um arquiteto e uma designer, é mais antiga. Data de 2009.  Mas somente agora foi implementada.  E o resultado foi que o mundo inteiro pôde ver, graças às tecnologias de comunicação veloz que hoje temos, crianças e adultos de ambos os países interagindo, rindo, conversando, brincando enfim. O símbolo sombrio do muro que separa os dois territórios foi subvertido pelas gangorras de cor rosa forte, onde mexicanos e estadunidenses sobem e descem, dialogam e fazem comunhão.

Embora aparentemente a intenção da instalação das gangorras tivesse um objetivo primário imediato, que era atrair as crianças, já alcançou muito mais. Não só crianças têm usado a gangorra.   Adultos também se balançam na trave inquieta e rosada que atravessa a grande barreira de aço do muro da divisão.  E pessoas de distintas nacionalidades, não apenas mexicanos e estadunidenses, entram no balanço das gangorras e alternam subidas e descidas que movimentam o corpo e refrescam o espírito.

Mais que isso, porém, os dois pedagogos tinham um objetivo ainda mais profundo.  O muro foi feito para separar os dois países e deter os migrantes que vêm não apenas do México, mas de vários países da América Central, tentando chegar ao sonho de uma vida melhor e mais digna. Agora, porém, é ponto de apoio de relações. E as gangorras fazem com que aqueles que ali se sentam e se balançam, rindo e conversando, também reflitam sobre o fato de que o que acontece de um lado tem uma consequência direta para o outro lado.

 Aí reside talvez o sentido mais pleno e profundo da afirmação de que a vida é uma gangorra.  Nada do que se faz fica impune.  Nenhuma de nossas ações deixa de repercutir sobre o outro e sua vida.  O fechamento das fronteiras de uma nação rica, obstruindo a entrada de pessoas que vêm de uma situação de pobreza e violência, tem consequências dolorosas e até mortais.

 A gangorra ensina que tudo que sobe desce.  Isso significa que aquele ou aquela que hoje está em situação confortável observando a vida desde uma altitude privilegiada, amanhã poderá estar por baixo, em vulnerabilidade e desvantagem.  Se fosse transferida para o comunitário e o coletivo, talvez as gangorras que perfuram o muro “intransponível” para conectar os de cima e os de baixo pudessem servir para chamar atenção e conscientizar uns e outros, transformando a fronteira em um lugar mais humano e menos inóspito.

As gangorras da fronteira mostram que podem, além de subir e descer, perfurar silêncios e bloqueios, e construir relações e solidariedade. Parabéns aos dois autores que colocaram em prática essa bela ideia.

Obs: Maria Clara Bingemer é  autora de “Simone Weil – Testemunha da paixão e da compaixão” (Edusc), entre outros livros.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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