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– E ai, Tião, beleza?
– Oi, Carlinhos! O que manda?
– Tô te ligando pra saber se você vai vir aqui em casa no sábado para colocarmos o papo em dia.
– Então, Carlinhos, talvez eu passe na tua casa no sábado.
– Talvez? Que horas vai passar aqui? – responde Carlinhos. Eu Preciso saber, cara, porque quero comprar uma carne pra sua família comer com a gente.
– É…. Não posso te dar certeza, não – responde Tião. E seu eu conseguir ir, também não sei a hora que vamos chegar.
– Isso é um não né, Tião? Você tá me enrolando que eu sei – responde Carlinhos.
– É um “talvez”, Carlinhos. Mas vamos ver o que acontece até sábado. Se eu não aparecer ai na tua casa, então você já saberá que não deu.
– Beleza, Tião. Churrasco desmarcado!
– Nossa, Carlinhos! Como você é ignorante, hein?
Bauman, sociólogo polonês, faz uma análise de que nos tempos modernos existe cada vez menos contato entre os indivíduos e, quando existem, essas relações são curtas e superficiais. Ele entende que os valores estão sendo colocados em cheque ou, pelo menos redefinidos, e que as relações humanas estão “escorrendo pelo vão dos dedos, isto é, são líquidas e fáceis de ir embora.
Não sei dizer se é apenas aqui no Brasil que se dá essa prática de sempre colocarmos um “talvez” ou um “se der” antes de marcarmos um compromisso. Até os eventos corriqueiros das nossas vidas estão escorrendo pelo vão dos dedos.
Conferimos nossa agenda com desconfiança, marcamos data e horário e não comparecemos como se sempre tivessem que nos esperar, e, como se nossas palavras não tivessem muita relevância.
Nossos valores políticos, religiosos e morais, num estalar de dedos, são modificados ou abandonados. Aqui, a história, seja das pessoas ou da sociedade são esquecidas facilmente e, deve ser por isso que os mais velhos estranham quando os mais novos não querem ouvir as suas histórias e seus ensinamentos de vida.
Eu sei que existem contratempos e imprevistos no nosso cotidiano. Mas todos sabem que não é sobre as contingências da vida que estou escrevendo.
Se a palavra e a confiança estão abaladas nos tempo modernos e líquidos, para o “nosso próprio bem” tudo deve ser registrado em cartório, em celular, em câmeras. Hoje as provas e os registros tecnológicos são minhas palavras mais fiéis, pois não se confia em muita gente e tem muita gente que desconfia de nós também.
Se um namorado ou namorada, marido ou esposa, precisa mostrar provas que esteve em determinado lugar ou com determinada pessoa, a palavra já não vale e a confiança foi embora faz tempo. O relacionamento já acabou, mas eles ainda não perceberam.
Se nossos compromissos são líquidos e descartáveis, conforme nos ensina Bauman, as pessoas são trocadas facilmente também. Seja em relacionamentos de amizade, de namoro ou de emprego.
Ao invés de fazer o papel de escritor fatalista, proponho que devamosacreditar mais nas pessoas. Não um acreditar do tipo inocente de criança, mas escolher algo ou alguém para se acreditar conforme nossos próprios padrões, isso se eles forem minimamente éticos.
A grande mídia martela em nossas cabeças todos os dias que só existem no Brasil políticos ruins, homens e mulheres desonestos, assassinos, pastores ricos e pilantras. Não é verdade. Devemos desconfiar dessas informações. Nelson Rodrigues já dizia que “Toda unanimidade é burra”.
Vivemos em tempos difíceis e desgastantes para se acreditar na palavra do outro, mas não acreditar em nada nem confiar em ninguém pode ser um caminho muito doloroso. As pessoas que têm essa postura muitas vezes são extremamente frias, melancólicas e sem projetos de vida. Acabam por ocultar o lado bom que tinham fazendo com que poucas pessoas se arrisquem a ficar perto delas.
É claro que seremos enganados algumas vezes, mas se você tiver o tempo todo desconfiado e armado em posição de guerra, terá grandes chances de adoecer psiquicamente.
Se você tem um compromisso hoje, chegue no horário certo, dê a sua palavra ou, se não puder ir, desmarque. Pois sempre tem um outro do lado de lá que acredita e pensa na gente.
Obs: O autor é Psicólogo, palestrante, terapeuta de família casal.
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