(professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio,
decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio *)
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Nada melhor do que a poesia de Adelia Prado para dizer hoje o que quero a este homem, ao meu homem: Ekke, na ocasião de nossos 50 anos de casados. Bodas de ouro, dizem.  Bodas da carne e do espírito, digo. Casados fomos, somos e seremos, unidos no gozo da carne assim como em seu declínio; na ebriedade do espírito assim como em sua aridez. Hoje como há 50 anos te amo, homem.

Eu te amo homem como no primeiro dia, no primeiro olhar e no primeiro beijo.  Na primeira palavra e na primeira conversa.  E quantas, quantas, e tantas conversas houve e ainda haverá entre nós dois, homem e mulher de palavra. Em nossa união, a palavra cria, elabora, expressa, liberta, reconcilia.  Eu te amo homem como na primeira palavra que ouvi de tua boca e que ainda ressoa em meus ouvidos.

Eu te amo, homem, hoje como toda vida quis e não sabia, diz a poeta.  E eu, que poeta não sou, digo. Não sabia mas pressentia.  E reconheci teu passo ao chegar, teu cheiro e tua voz.  E meu querer encontrou seu porto e seu lugar.  Quis e não sabia.  Agora ainda não sei tudo Mas pressinto e descubro a cada dia.  E me surpreendo e me excito com essa caixa perpétua de surpresas que é te conhecer e aprender a te amar na ausência perpétua de monotonia.

 Aprendo. Te aprendo, homem. O que a memória ama fica eterno.
Te amo com a memória imperecível
.  Contigo aprendo desde e para sempre que amor é aprendizagem.  E neste meio século aprendi muita coisa, muito mais do que em estudos diplomas, títulos e doutorados.  Sigo aprendendo.  O que a memória ama fica eterno. Acrescento e é fecundo.  Fica eterno porque não morre.  É fecundo porque gerou e gera vida. Aprendemos juntos a criar. Criamos e continuamos imprimindo no mundo essa memória imperecível que ficou eterna.

 Nessa vida jutos muito fizemos. Construímos, plantamos, geramos viajamos.  Mas nossa principal viagem tem sido ao interior e ao redor de nós mesmos.  Peregrinar todo dia ao encontro do coração da humanidade é bom bastante e lindo.  E, para nós, a humanidade tem múltiplos rostos e nomes.  Mas todos sintetizados concentrados em um só: você, homem e eu, mulher. Por isso te amo homem por me ensinares a diferença e a comunhão, a tolerância e o perdão, o maravilhar-me e o horrorizar-me, o riso e o pranto.

 Te alinho junto das coisas que falam uma coisa só: Deus é amor. Isso que foi dito desde o princípio e mesmo antes de todos os princípios, pois o Verbo era no princípio, me tem sido dito por tua boca e sobretudo por tua pessoa, homem, ao longo de todos esses anos. No teu amor, na tarefa de amar-nos todo dia, às vezes leve, às vezes pesada, às vezes fácil, outras tão difícil, às vezes prazer, às vezes esforço, às vezes evidente bênção, às vezes tentação de mágoa e rancor, às vezes silêncio de morte, às vezes explosão de vida, tenho aprendido o que quer dizer essa definição que o Novo Testamento faz de Deus.  Deus é amor.

Todas as coisas disso falam, mas tu falas disso tudo com mais eloquência.  E mais pertinência.  E mais verdade.  Por isso, te amo homem, agora como ontem, ontem como hoje, hoje como daqui a muitos anos em nossa carne imortalizada na prole genética e espiritual, em obras que só Deus conhece, razão pela qual existem grande e maravilhosamente.

Te amo homem, amante, companheiro e amigo, sonhador de sonhos comuns. Te amo pelas aventuras excitantes e pelo ritmo diuturno das pequenas coisas. Pelas corridas mundo afora e pelos passos palmilhados pelo chão da casa. Pelas noites e pelos dias. Pelo pôr do sol de beleza estonteante empalidecido pela beleza de teu corpo descansando na rede, enquanto as crianças corriam no jardim. Pela paixão e pelo afeto repousado. Pelos corpos entrelaçados e pelo afeto e pelo afago meigo.

 Te amo homem pelo respeito e pelo carinho, na saúde e na doença.  Pela paciência e pelo estímulo no sucesso e no fracasso. Pela história escrita a quatro mãos que junto a muitas outras vão transformando o mundo.  Pela fidelidade a toda prova que tece e borda a nossa vida, protegendo-a de desvios e des-fios, de distrações e traições.

Te amo homem por esse sorriso e esse olhar.  Sorriso capaz de ordenar meu caos primitivo.  Olhar capaz de embelezar-me e enfeitar-me como noiva adornada para esposo. Te amo neste momento como em todos.  Tem sido tão bom viver juntos, ser jovens juntos, maduros juntos.  E agora envelhecer juntos.  Graça dada e recebida hoje com imensa gratidão.

Te amo homem, porque tens sido meu e eu, tua. E isso é belo de se ver e melhor ainda de se viver.

Obs: Maria Clara Bingemer é  autora de “O mistério e o mundo”  (Editora Rocco).

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