Padre Beto 15 de junho de 2019

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Em 1945 imigrantes europeus chegam ao porto do Rio de Janeiro. É ali que se encontra o interrogador da polícia especializado em torturas chamado Segismundo, funcionário oficial no governo de Getúlio Vargas. O ex-ator polonês Clausewistz, que conseguiu escapar do nazismo depois de passar pelos horrores na guerra, é interrogado por Segismundo que lhe faz um desafio: comovê-lo com sua interpretação. “Tempos de Paz”, de Daniel Filho, nos leva a refletir sobre o que nos une a todos como seres humanos.
Classicamente nós temos três formas de amor. A primeira refletida por Platão e Freud é Eros. Eros é amor-desejo. Desejo sexual que nos move para a vida. Nós somos seres sexuados e não assexuados, portanto, a nossa forma mais básica de amar é Eros, o desejo sexual, o prazer daquilo que nos falta. Isso mesmo, desejo sexual é falta. Ele pede o consumo que o outro tem a me oferecer. Por isso, Eros está ligado ao ego e sempre mergulha em Thanatos. Em outras palavras, eu desejo sexualmente algo que me falta e, satisfeito este meu desejo ele morre, ressurgindo mais tarde. A segunda forma de amor foi trabalhada por Aristóteles que a chamou de Philia, ou seja, a amizade. A Philia vive da presença do ser amado. Este amor não deseja consumir o que o outro lhe oferece, mas almeja a presença do outro que lhe é simpático. O amor-philia nos une às pessoas e faz com que exercitamos a franqueza, o diálogo, a honestidade, pois desejamos, através dele, que o amigo viva. Por fim, a terceira forma de amor é o Agapè. O Agapè representa o amor ao diferente, ao totalmente outro. Ele é um amor que não se nutre da ausência do outro (eros), como também não se satisfaz com sua presença (philia), pois é um amor desinteressado, gratuito, simplesmente porque o outro, apesar de ser diferente, tem o direito à vida. No Evangelho de Marcos 7, 31-37 um surdo que possui dificuldades de falar é colocado à frente de Jesus  Esta cena é muito significativa, pois representa a atual situação da sociedade no Brasil. Nós somos surdos que possuem dificuldades em falar. O que nos aflige não é a surdez literal, mas a surdez existencial, a surdez que nos impede de ouvir os apelos e os problemas dos outros. Cada um é formado a estar fechado em sua própria vida e cuidar dela como se vivêssemos isolados. O sistema nos cria na categoria do “eu” e ficamos incapazes de pensar e viver na categoria do “nós”. Este indivíduo que é surdo e, portanto, fechado em sua própria vida, Sartre denominava de “canalha: um gordo pleno de ser”. É claro que Sartre não se refere à obesidade literal, mas a uma obesidade de ser, daquele indivíduo que se valoriza tanto que os outros não representam absolutamente nada. Este indivíduo pode viver em grupo, mas este grupo vai representar sempre uma forma de egoísmo grupal. Ele pode viver com sua família, participar de sua religião, mas excluirá todos os outros que não pertencem a seus grupos. Em outras palavras, a sociedade de hoje cria indivíduos que possuem exclusivamente o amor-eros. O que ajuda a sociedade de consumo, pois ela precisa vender e, para isso, necessita de pessoas que possuem desejos individuais incontroláveis. O surdo de hoje no máximo vai cultivar uma falsa philia, ou seja, vai procurar cultivar amizades que lhe tragam vantagens pessoais, ele cultua o marketing e se utiliza dele para seus interesses. Também o amor-agapè vai ser por ele instrumentalizado, pois isso vende uma boa imagem. Como o indivíduo que cultiva o amor-eros está fechado em si, ele também possui dificuldade em falar. Ele não está aberto para o diálogo e muito menos para falar sobre os problemas que atingem a sociedade. Diante do surdo que possui dificuldades em falar, Jesus diz “Effatá” que quer dizer “abre-te”. E aqui está a essência do Evangelho. Este abrir-se é a soma dos amores citados acima. Effatá nos convida a viver a vida com prazer abrindo-nos às experiências que nos faltam (eros), nos convida a cultivar amizades verdadeiras (philia), mas principalmente exige o amor-agapè, ou seja, o interesse pela vida em geral, pelo bem comum e pela humanidade.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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