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(Cordel caipira)
Já faiz tempo, mais se alembro
que foi numa sexta-fera,
quando o sór se ispriguiçava
no colo da cordilhera,
e o sabiá se despedia
no gaio da laranjera…
Foi quano as nossa galinha
vortava pro galinheiro
pra dormir mais uma noite,
espremida no poleiro,
que o Totó pulou ni mim,
dispois de corrê ligero.
Ele queria contá
que lá vinha arguém chegano.
Quano oei lá pra porteira,
fui logo me emocionano:
era o padrinho e a madrinha
que tava se aproximando.
Corri tanto até a paioça
que a minha pressa mardita
me fez despencá no chão
quano trombei ca cabrita,
e, mesmo co dor na bunda,
gritei: “Vamo tê visita!”
Mamãe tava na janela,
papai juntinho da porta
retirano dos bigode
arguns fiapo de torta,
enquanto as nossa visita
já tava perto da horta.
Tirano o chapéu de paia,
papai falô bem baxinho:
“Num seje mar-educado.
Quano chegá mái pertinho,
beje as mão e pida bença
da madrinha e do padrinho.”
Dispois, já dentro de casa,
preles podê discansá,
papai puxô as cadera
pidino preles sentá,
e a mamãe ponhô na mesa
bolo de mio e fubá.
Num tinha café no bule
porque quano o pai pitava
bebia tanto café
que rapidinho cabava.
Por isso, disse pra mãe
que na cadera sentava:
“Ô muié, enche a chalera
e ponha água pa fervê.
Dispois senta aqui co nóis,
qui eu quero contá procê,
pro cumpade e pra cumade,
o causo do pé di ipê”.
Mamãe que tava cansada
de trabaiá, resmungô:
“Só dexa eu ponhá o pó
e água quente no coadô
pa mim pregá os ovido
nas contação do sinhô.”
Papai virô pros seis filhos,
oiô um de cada veiz.
Oiô mais brabo pra eu,
o mais travesso dos seis,
e disse mostrano o cinto:
“Num quero um pio doceis!”
Mamãe, do fogão de lenha,
oiô nóis com proteção,
piscano o zóio e, dispois,
de enxugá as linda mão,
sentô perto do papai
que iniciô a contação:
“Dispois de ficá na roça
trabaiano o dia interinho,
antes de i embora pa casa,
o vurgo Zé Passarinho,
debaxo do ipê deitava
pra discansá um cadinho.”
“Ele tinha esse pilido
purque sabia subiá
iguar todos passarinho
que ele iscuitava cantá:
canarinho, pintassirgo
colerinha, sabiá…”
“Um dia chegô aqui
um genhero de mão cheia,
tirô retrato do ipê
e sumiu de cara feia,
dexano o Zé Passarinho
cuma purga atráis da oreia.”
“Notro dia, um otro home,
poco antes do sór si pô,
chegô de ócrus escuro
na cabine dum tratô,
e gritô: “Vô dirrubá
o ipê cheinho di frô.”
“Zé Passarinho tão carmo,
magricelo iguar furmiga,
ficô que nem um boi brabo ,
quereno parti pra briga,
gritano ca boca suja:
– Mardiçoento duma figa!”
“O home ixpricô que a órde
era pa sê zecutada,
que a árve cheia de frô
tinha qui sê derrubada
porque naquele locar
ia se abri uma istrada,”
“Zé Passarinho trepô
como um raio, sem demora,
nos gaio do ipê marelo
e gritô na mema hora:
“Dirruba, se ocê fô home,
dirruba minha árve agora!”
“Hove muita confusão.
Chamaro a puliça e inté
o padre e o dotô prefeito,
prêles convencê o Zé.
Mái teimoso, o Zé gritava:
– Daqui num arredo pé!”
“Como ninguém consiguiu
arrancá o Zé do ipê,
o home, ligano o tratô
e fazeno o chão tremê,
gritô ameaçano o Zé:
– Ocê vai se arrependê!”
“Deis que ele trepô no ipê
num deceu pa nada não.
Prêle num morrê de fome,
o muié levava pão,
e pra num morrê de sede,
dexava água em garrafão.”
“O home do tratô vortô
e resorveu, de repente,
dirrubá a casa do Zé
e o que tivesse na frente.
– Eu vortei pra abri a estrada
num trajeto diferente.”
“Os fio do Zé e a esposa
que no quartinho durmia,
num conseguiro escapá
do tratô. Naquele dia
viraro partér de gente…
Num restô um da famia.
Daquele dia pra frente
o Zé passô a chorá
ficô loquinho da Sirva
que desatava a fala:
– Eu só vô saí daqui
no dia que Deus chama.”
“Quano veio a tempestade
de vento devastadô,
o pé de ipê num caiu,
mái perdeu todas as frô.
Foi nesse dia tamém
que o Zé se disintegrô.”
“Todo povo procuraro
o Zé aqui, ali e lá.
Não acharo e percebero
que ficô no seu lugá,
nos gaio do pé de ipê
um canarinho a cantá.”
“Nói sabe que o passarinho
é o Zé que fica em vigia
pa bicá quem faz mardade
co pé de ipê, quano é dia,
e di noite ele só chora
de sodade da famia.”
Demorô demais da conta
aquele causo do ipê.
Demorô tanto que a água
que a mãe ponhô pa fervê
secô toda na chaleira,
e o pai parô pa dizê:
“Agora oceis dão licença
que eu já vorto num pulinho”
Papai vortô co a gaiola
que ele comprô do vizinho.
“Essa gaiola sem porta
é o lar do Zé Passarinho.”
O padrinho brabo disse:
“Nóis né bobo não sinhô.”
Papai pedino pacência
feiz um bico e assobiô.
Apareceu na janela
um canarinho cantô.
Entrô cuma frô de ipê
que entregô para a madrinha,
e foi bicá o padrinho,
mái a sua bicadinha
num fazia mar nenhum
nem memo a uma criancinha.
Dispois que entrô na gaiola
o pai falô: “Que mardade!
Ceis duvidaro de mim
né cumade, né cumpade?
Pois oceis fique sabeno
que eu só falo das verdade”.
Meu cordel “Zé Passarinho e o pé de ipê amarelo” (Cordel caipira), obteve a terceira colocação no VI Concurso Literário Icoense (CLIC) Poeta José de Oliveira Neto – 8º Festival Nacional Icozeiro.
Obs: O autor é membro da Academia Pindamonhagabense de Letras é autor de: Lágrimas de Amor – poesia; O sapinho jogador de futebol – infantil; O estuprador de velhinhas & outros casos – contos; Histórias de uma índia puri – infanto-juvenil; O casamento do Conde Fá com a Princesa do Norte, e Um caso de amor na Parada Vovó Laurinda – cordéis.
Imagem enviada pelo autor