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O cidadão comum pode ser tomado pelo sentimento de ódio à face de certas situações. A vítima de um crime violento, por exemplo, tem razões para nutrir ódio contra a pessoa do criminoso. Essa não é a atitude recomendada pela Ética Cristã, mas é compreensível. Coloque-se o leitor na situação de um pai, cuja filhinha pequena foi vítima de estupro. Que penalidade quererá para o estuprador? Se houvesse a pena de morte e se pedisse a pena de morte, sua explosão de revolta, ainda que não aprovada, deveria ser compreendida.
O desejo de vindita do ofendido, em alguns casos, só é rechaçado por um sentimento religioso sincero e profundo.
Muito diferente da reação do agredido à face do agressor é o comportamento que se exige do magistrado quando se depara com os casos que lhe caiba julgar.
Jamais a sentença judicial pode ter o acento do ódio, da vingança, do destempero verbal ou emocional.
Ao juiz pede-se serenidade, quietude, brandura. A autoridade da toga não se assenta nos rompantes de autoritarismo, mas na imparcialidade das decisões e na retidão moral dos julgadores.
O magistrado deve ser tão impolutamente equilibrado, harmonioso, equânime que até o vencido deve respeitá-lo, embora recorra do julgamento desfavorável.
Como disse com muita precisão Georges Duhamel, “a verdadeira serenidade não é a ausência de paixão, mas a paixão contida, o ímpeto domado.”
Ou na lição de Epicuro: ”A serenidade espiritual é o fruto máximo da Justiça.”
Em determinados momentos históricos, seja pela gravidade dos crimes em pauta, seja pelo alarido em torno dos crimes, a opinião pública pode tender à aplicação da pena de talião.
Cederá o juiz à pressão do vozerio?
Respondo peremptoriamente que não.
Que garantia tem um povo de viver em segurança, de desfrutar do estado de direito democrático, se os juízes se dobrarem, seja ao poder das baionetas, seja ao pedido dos influentes, seja às moedas de Judas, seja a um coro de vozes estridentes ou silenciosas, seja ao grito das ruas?
Um país só terá tranquilidade, prosperidade e paz se dispuser de uma Justiça que fique acima das paixões, firme, inabalável, impertubável, equidistante de influências espúrias, uma Justiça sem ódio. O ódio conspurca a Justiça.
Aí vai esta reflexão teórica, apropriada para qualquer tempo e para qualquer lugar. A serenidade, a isenção, a capacidade de colocar-se acima dos estampidos que procuram direcionar e capturar a mente dos juízes – este é um desafio que deve ser enfrentado com dignidade e coragem sempre.
Deixo ao leitor a tarefa de cotejar esses princípios permanentes, fundamentados na ética do ofício judicial, com fatos concretos que estejam, eventualmente, acontecendo hoje no Brasil.
Obs: O autor é magistrado aposentado (ES), escritor, professor, palestrante.
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