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Meus queridos amigos *
Quando a gente está no Sul do País e ouve um nordestino falar em “aperreio”, em “vida aperreada”, tem saudade. “Não me aperreie menino!” Aí se trata de menino que quer porque quer que a mãe lhe assegure que é dele o fundo da panela de canjica que ela está preparando.
Cada vez que alguém fica insistente, querendo arrancar um “sim”, está aperreando.
Mas, aperreio mesmo é o aperto de vida. É ver que o dinheiro do mês não vai dar para tudo: se pagar o aluguel não vai sobrar dinheiro para a feira. Se pagar as prestações, o aluguel vai ficar pendurado.
Aperreio é sair para a feira com o dinheiro cuidadosamente separado e ver que os preços subiram e alguma coisa terá que ser cortada. O que cortar? Aperreio é ter a conta certa esticada para o mês e ver surgir um imprevisto: a doença de um filho, uma viagem inesperada para visitar o pai, nas últimas, uma dívida inesperada assumida pelo marido…
Vida aperreada é uma vida de sofrimentos, de quem vê o marido chegar embriagado, gritando com todo mundo, acordando o quarteirão inteiro, querendo bater nos filhos e na própria mulher… Vida aperreada é a da mãe de família, abandonada pelo marido, já sem força sobre os filhos e a filha adolescentes, não tendo mais horário, sem juízo, a mãe vendo a hora que o filho volte ferido, ou o que é pior, que a filha volte grávida.
Aperreio! Expressão gostosa de ouvir, difícil de viver! O mundo já seria diferente, seria mais respirável e mais fácil de viver se cada um fizesse tudo para não multiplicar os aperreios. O Papa João gostava de dizer: “Não complicar as coisas simples…”
Mas parece que de aperreio ninguém se livra. A diferença não é entre pessoas aperreadas e pessoas sem aperreios. A diferença é entre aperreio gerando uma vida envenenada, cheia de revolta e de ódio, e aperreio enfrentado com paciência e espírito de fé.
Como não recordar a “Salve Rainha”! Pedimos a Santa Mãe de Deus e Mãe dos Homens que olhe por nós e nos acuda junto a seu Filho, este “vale de lágrimas”, neste chão de aperreios…
Terça-feira, 9.9.1975
Obs: *Mais uma das crônicas escritas por Dom Helder Camara para o seu programa de rádio UM OLHAR SOBRE A CIDADE, exibido na rádio Olinda às 06h55 de 01 de abril de 1974 a 22 de abril e 1983. Está crônica está publicada no livro “Meus Queridos Amigos”, que reúne 200, das centenas de crônicas lidas por Dom Helder ao longo dos nove anos de duração do programa.
Imagem e texto enviados pelo IDHEC – Instituto Dom Helder Camara
. Ver AUTORIZAÇÃO do IDHEC no item OBRAS LITERÁRIAS.