(professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio,
decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio *)
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Se alguém se destaca em determinada área e altera uma situação de fato em um sentido melhor ou mais justo, se diz que “faz a diferença”. Tudo aquilo que muda situações, circunstâncias, vidas, para melhor faz a diferença. Toda atitude, posicionamento, discurso, comportamento que conduz a história a girar em direção contrária àquela previamente estabelecida, é reconhecida como algo que faz a diferença.
Fazer a diferença, portanto, é transformar, redimir, redirecionar a humanidade em outro sentido do que aquele que parece pré-determinado e banhado pela lama da fatalidade. É abrir caminhos novos e com ações às vezes muito humildes e pequenas fazer brotar grandes mudanças. É dar identidade e dignidade aos vulneráveis e vencidos, a partir de uma solidariedade que lhes permite ser sujeitos e atores de seu próprio processo de libertação.
À luz dessas afirmações, continuo estupefata com a entrevista do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, no programa Roda Viva, da TV Cultura. Ao referir-se ao seringueiro e ambientalista Chico Mendes, comentou com um despectivo dar de ombros: “Que diferença faz quem é Chico Mendes?” Suspeito que a resposta do ministro é fruto de seu profundo desconhecimento da figura do seringueiro, sindicalista, ativista político e ambientalista brasileiro, que lutou incansavelmente em favor dos povos da Bacia Amazônica, e defendeu com a própria vida a floresta que era a fonte de sua subsistência.
No dia seguinte ao programa, ainda sob o impacto da repercussão que sua fala tivera sobre a opinião pública que considera Chico Mendes um mártir da Amazônia, o ministro permaneceu firme em sua posição. Em entrevista ao jornalista Bernardo de Mello Franco, afirmou: “O pessoal do agro, que conhece a região, diz que ele era grileiro.” Talvez tenha sido o mesmo pessoal que informou ao ministro que Chico Mendes “usava os seringueiros para se beneficiar”. É difícil imaginar que benefício extraiu o seringueiro de sua atuação em favor do meio ambiente, que o fez enfrentar os latifundiários poderosos da região e acabou causando sua morte violenta. Deixou, porém, um legado que até hoje inspira a luta pelo meio ambiente no Brasil e internacionalmente. Graças a Deus, em seguida à entrevista do ministro, o vice-presidente Hamilton Mourão reafirmou a importância de Chico Mendes, declarando que ele é parte da história do Brasil.
Desconstruir a memória de um líder, de um mártir, é matá-lo pela segunda vez. Assim parece o pessoal do agro estar fazendo com a memória de Chico Mendes. Assim outros fazem igualmente com a morte da irmã Dorothy Stang, religiosa católica assassinada enquanto ia a uma reunião com a Bíblia na mão. Seria a Irmã Dorothy, cuja morte completa agora 12 anos, alguém que se beneficiava dos seringueiros e do povo da floresta?
À pergunta do ministro sobre que diferença faz quem é Chico Mendes nesse momento, portanto, a resposta parece ser: faz toda a diferença. A história do Brasil seria outra se não houvesse Chico Mendes. O panorama da Amazônia brasileira seria muito mais frágil sem sua atuação corajosa e o movimento que criou.
Assim também, enquanto a Igreja Católica prepara o sínodo da Amazônia a ser realizado no Vaticano no próximo mês de outubro, o testemunho de Dorothy Stang e Chico Mendes faz toda a diferença. Por quê? Porque dão a carne e o sangue às palavras da encíclica Laudato Si, do Papa Francisco, que afirma ser a luta pela natureza e a criação inseparável da luta pela justiça e os direitos humanos.
Quem entende isso faz a diferença. Esperemos que o ministro, após sua primeira viagem à Amazônia, se sinta mais reconciliado com essas grandes figuras que, desde o seu lugar aparentemente pequeno e insignificante, vão virando a história em outra direção e deixando atrás de si o rastro luminoso da sacralidade de todas as formas de vida.
Obs: Maria Clara Bingemer é autora de “Simone Weil – Testemunha da paixão e da compaixão” (Edusc), entre outros livros.
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