Em nosso país, o Ministério da Saúde, aprovou a Portaria n. 1820, de 13 de agosto de 2009, que “dispõe sobre os direitos e deveres dos usuários da saúde nos termos da legislação vigente” (Art. 1º.), que passam a constituir a “Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde” -art. 9º.
O artigo 4º e parágrafo único afirmam: “Toda pessoa tem direito ao atendimento humanizado e acolhedor, realizado por profissionais qualificados, em ambiente limpo confortável e acessível a todos. Parágrafo único: É direito da pessoa, na rede de serviços de saúde, ter atendimento humanizado, acolhedor, livre de qualquer discriminação, restrição ou negação em virtude de idade, raça, cor, etnia, religião, orientação sexual, identidade de gênero, condições econômicas ou sociais, estado de saúde, de anomalia, patologia ou de deficiência, garantindo-lhe: III – nas consultas, nos procedimentos diagnósticos, preventivos, cirúrgicos, terapêuticos e internações, o seguinte: respeito (…); d) aos seus valores éticos, culturais e religiosos; (…); g) o bem-estar psíquico e emocional; X – a escolha do local de morte; (…) XIX – o recebimento de visita de religiosos de qualquer credo, sem que isso acarrete mudança na rotina de tratamento e do estabelecimento e ameaça à segurança ou perturbações a si ou aos outros.”
O Art. 5º afirma que “Toda pessoa deve ter seus valores, cultura e direitos respeitados na relação com os serviços de saúde, garantindo-lhe: (…); VIII – o recebimento ou recusa à assistência religiosa, psicológica e social.
Vivemos num momento cultural sócio-histórico, no âmbito das terapias da saúde dominado pela analgesia, em que fugir da dor é o caminho racional e normal. À medida que a dor e a morte são absorvidas pelas instituições de saúde, as capacidades de enfrentar a dor, de inseri-la no ser e de vivê-la são retiradas da pessoa. Ao ser tratada por drogas, a dor é vista medicamente como um barulho de disfuncionamento nos circuitos fisiológicos, sendo despojada de sua dimensão existencial subjetiva. Claro que esta mentalidade retira do sofrimento seu significado íntimo e pessoal e transforma a dor em problema técnico.
Diz-se que hoje temos a chamada trindade farmacológica da felicidade, no nível físico-corporal, psíquico e sexual, que está disponível a conta-gotas nas prateleiras das farmácias, a um custo razoável. O xenical – para emagrecimento e para a busca da felicidade do corpo escultural; o prozac – para livrar-se dos incômodos da depressão e da busca do bem-estar psíquico, e o viagra, que liberta do fracasso e da vergonha da disfunção erétil (impotência) para proporcionar o prazer e a felicidade sexual. Não possuímos mais hoje os místicos de outrora, que atribuíam à dor e ao sofrimento um sentido. Vivemos numa sociedade em que o sofrer não tem sentido, e por isso nos tornamos incapazes encontrar algum sentido numa vida marcada pelo sofrimento. Na base das solicitações para se praticar a eutanásia temos sempre o drama da vida envolta em sofrimento sem perspectivas.As culturas tradicionais tornam o homem responsável por seu comportamento, sob o impacto da dor, sendo que hoje é a sociedade industrial que responde diante da pessoa que sofre, para livrá-la deste incômodo.
Em meio medicalizado, a dor perturba e desnorteia a vítima, obrigando-a a entregar-se ao tratamento. Ela transforma em virtudes obsoletas a compaixão e solidariedade, fonte de reconforto. Nenhuma intervenção pessoal pode mais aliviar o sofrimento. Só quando a faculdade de sofrer e de aceitar a dor foi enfraquecida é que a intervenção analgésica tem efeito previsto. Neste sentido, a gerência da dor pressupõe a medicalização do sofrimento (continua).
Obs: Texto retirado de www.a12.com/redacaoa12/pe-leo-pessini