“E se somos Severino iguais em tudo na vida, morremos de morte igual, mesma morte severina” (João Cabral de Melo Neto).
O Evangelho de Mateus diz que Deus, sendo um Pai bondoso, atende as preces daqueles que o invocam: “Qual dentre vós é o homem que, se o filho lhe pedir pão, lhe dará uma pedra? Ou se lhe pedir peixe, lhe entregará uma cobra?” (Mt 7,10). Com certeza o pai dá sempre o pão para saciar a fome do filho. Mas considerando a realidade mundial e brasileira, nas quais uma multidão se encontra abandonada, devemos concentrar a atenção ao seguinte: os pais de família querem dar o pão aos seus filhos, mas o mesmo faltam-lhes. Não têm as condições para saciarem os filhos. O que aconteceu? De quem é a culpa? A questão é complexa e nos faz assumir uma posição: o problema está nas estruturas políticas que não ajudam os pobres a sair do inferno da exclusão que foram obrigados a entrar. Em outras palavras, morrem todos de morte igual, mesma morte severina, para recordar o poema de João Cabral de Melo de Neto.
Deus comunica sua Graça ao mundo. Ela é a presença libertadora do Pai em Jesus. Onde existe a Graça o cego enxerga, os caídos são reerguidos, os oprimidos são libertados, os preconceitos deixam de existir, os famintos são saciados, tudo passa a fazer parte daquele desejo profundo de Deus: “Eu vim para que todos tenham a vida e a vida em abundância” (Jo 10,10).
No entanto, a Graça tem uma inimiga: são as estruturas que a bloqueiam através dos sistemas humanos que ceifam a vida dos inocentes, em nome dos privilégios daqueles que estão no poder. Não deveria ser assim. Mas, infelizmente essa estrutura de desgraça não ajuda o homem a realizar o seu projeto pessoal de vida. Um exemplo: sabe aquele pai de família que quis um futuro brilhante para o filho, mas não conseguiu porque o sistema social privilegiou apenas os eruditos? Aqui está o grande drama da estrutura do anti-Reino: nem todos conseguem, por mais que lutem, tem sempre alguém que passa na frente. Esse sistema complexo é desumano. Não pensa no todo, mas sempre em alguma das partes. A Graça não se desenvolve porque é bloqueada devido a corrupção do coração humano. Isso é a estrutura social do pecado.
Como sair desse inferno? É necessário descobrir a primeira Graça nos dada por Deus: aquela de ser consciente. Se eu tomo consciência que existe alguém que impede a ação da Graça, então devo lutar e engajar-me em causas humanas que buscam a igualdade de direitos, custe o que custar. Essa primeira Graça descobre e desmascara quem são os responsáveis pela desigualdade e se empenha para desmontar o sistema da exclusão. No entanto, tudo isso é perigoso porque corremos o risco de morrer. Veja-se o caso de irmã Dorothy Stang e Pe. Bosco Burnier. Eles, na medida em que se deram conta da existência real de grupos que agiam contra a vida dos indefesos, entraram em campo como profetas de Deus. A luta custou o próprio sangue deles, mas a semente plantada fez germinar novos promotores da vida. Esse é o fruto da Graça de ser consciente.
A outra Graça que nos faz combater a estrutura do pecado social é a autoestima. Ela foi colocada em nossa alma pelo próprio Deus quando, apenas concluída a sua criação, Ele mesmo, contemplando-la disse: “E eis que tudo era muito bom!” (Gn 1,31). Essa Graça da autoestima não permite que nenhum homem seja escravo de seu semelhante, ou seja, a Graça da auto-estima nos faz ser livres. Toda estrutura de domínio e que pretende o controle sobre o ser humano deve ser destruída pelo fato de não pertencer ao plano de Deus. Quando nos damos conta da autoestima nenhum preconceito tem relevância, todos são irmãos em tudo. Os índios, por exemplo, não devem se submeter a nenhum governo que queira roubar as suas terras, pelo fato de serem iguais em dignidade. A opção sexual não é um abismo, mas uma ponte que une os corações. Todos os “ismos” portadores de preconceitos que pretendem instalar o sentimento de inferioridade perdem sua força psicológica diante da Graça da autoestima.
Se interrompermos, através do nosso testemunho e luta diária, as estruturas de pecado que bloqueiam a ação da Graça no mundo e na história, então não teremos mais a morte severina e cada um poderá realizar o seu projeto pessoal dentro de uma sociedade de irmãos. Mas precisamos ser conscientes e nutrir sempre a nossa autoestima. E só assim será possível dizer: “Tudo é Graça!”
Obs: O autor é religioso da Congregação da Paixão de Jesus Cristo (Passionistas). Natural de Fagundes, Paraíba. Atualmente reside em Roma, cursando mestrado em Teologia Fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana.