“E uma vez que já estou ali ajoelhada no chão em posição de súplica, deixem-me manter essa posição enquanto viajo no tempo até três anos atrás, até o instante em que toda esta história começou – um instante que também me encontrou nessa mesma exata posição: de joelhos, no chão, rezando. No entanto, tudo o mais em relação à cena de três anos atrás era diferente. Daquela vez eu não estava em Roma, mas sim no banheiro do andar de cima da grande casa no subúrbio de Nova York que eu acabara de comprar com meu marido. Eram mais ou menos três horas da manhã de um novembro gelado. Meu marido dormia na nossa cama. Eu estava escondida no banheiro pelo que deveria ser a 47a noite consecutiva, e – como em todas aquelas outras noites – estava soluçando. Soluçando com tanta força, na verdade, que uma grande poça de lágrimas e muco se espalhava à minha frente sobre os ladrilhos do banheiro, um verdadeiro lago formado por toda minha vergonha, medo, confusão e dor. Eu não quero mais estar casada. Eu estava tentando tanto não saber isso, mas a verdade continuava a insistir. Eu não quero mais estar casada. Não quero morar nesta casa grande. Não quero ter um filho.” Elizabeth Gilbert em Comer, Rezar, Amar.
Embora não seja próprio do espírito gestáltico falar em tipologia, Fritz Perls e outros gestaltistas descreveram alguns “modos operantes” utilizados para evitação de contato com o outro, com o meio ou com situações de conflitos emocionais. Os gestaltistas chamaram estes modos de se relacionar de “Mecanismos de Evitação do Contato” ou “Mecanismos de Defesa”.
Os mecanismos de evitação de contato são recursos que desenvolvemos desde muito cedo, primeiramente como forma de ajustamento e sobrevivência ao modo (muitas vezes disfuncional) como nosso sistema familiar está organizado; posteriormente repetimos os mesmos padrões em outros círculos relacionais. Todos nós alternamos entre os diferentes mecanismos, de acordo com dada situação ou conflito, por isso não se deve “engessar” alguém em um determinado mecanismo. Porém, fala-se em prevalências, que moldam nosso funcionamento e personalidade.
A introjeção é uma manobra onde o sujeito incorpora ideias, sentimentos, comportamentos e uma série de outros aspectos do ambiente. Há um processo passivo de “engolir” o que vem de fora e assim a pessoa acaba entrelaçando as próprias escolhas, preferências e opiniões com as dos outros e tendo dificuldade de diferenciar o que é realmente seu.
Segundo Perls, “não há nada em nossas mentes que não venha do meio, e não há nada do meio para o qual não haja uma necessidade orgânica, física ou psicológica. Estas devem ser digeridas e dominadas se quiserem se tornar nossas de verdade, realmente uma parte da nossa personalidade. Mas se simplesmente as aceitamos completamente e sem crítica, baseados na palavra de outra pessoa, ou porque estão na moda, ou são de confiança, ou tradicionais, ou antiquadas ou revolucionárias – tornam-se um peso para nós. São realmente indigeríveis. Ainda são corpos estranhos, embora tenham se instalado em nossas mentes.” (Fritz Perls em “A abordagem gestáltica”, p. 46 e 47)
No livro “Comer, Rezar, Amar”, a personagem principal se vê em meio a uma crise existencial quando dá-se conta que a vida “nos eixos” que escolheu não é exatamente a vida que ela quer viver. Ela termina um relacionamento de anos, abandona uma vida considerada por muitos “perfeita” e embarca em uma jornada em busca de autoconhecimento, do que lhe serve, e o que não lhe serve, de desconstrução de crenças e valores.
A pessoa que introjeta é aquela que segue regras, faz tudo “certinho”, mas nem sempre é feliz. Introjetores são pessoas que se esforçam para manter e seguir regras, muitas vezes são religiosos, conservadores e radicais em seus posicionamentos. Introjetores podem ser extremamente incoerentes, pois não conseguem manter conexão clara entre o que acreditam e o que fazem. Outras vezes, esforçam-se demasiadamente para manter essa coerência, tornando-se pessoas cristalizadas, sem autenticidade e espontaneidade. As crises surgem quando encontram-se em situações conflituosas e de grandes impasses emocionais e dão-se conta que mesmo fazendo tudo “certinho”, os resultados nem sempre são aqueles esperados.
Lembrando que todo mecanismo pode ser funcional, a introjeção é saudável quando utilizada em situações em que as regras precisam ser cumpridas para que a ordem seja mantida. Ninguém pode sair nu na rua, por exemplo, existe um senso comum em que nos baseamos para que tenhamos uma vida relativamente harmoniosa em comunidade. Introjetar torna-se um mecanismo neurótico quando passamos a seguir regras, sem questionar, a nos esforçar para agradar os demais, quando nos tornamos radicais em nossas crenças e valores sem considerar ou ponderar crenças e valores alheios.
Para uma vida emocionalmente saudável é preciso que aprendamos a “mastigar” antes de engolir os muitos introjetos que nos são impostos desde pequenos. A partir da maturidade podemos criar autonomia para fazer nossas próprias escolhas e filtrar aquilo que nos serve. O convite é ampliar o mapa mental através da análise individual de cada conflito e queixa, com contextualização para aquela situação específica, também é importante falar sem utilizar-se de generalizações e entender o que funciona para si, que é diferente do que funciona para os outros. Sim, a saúde consiste no equilíbrio, e temos que lembrar sempre que ele é diferente para cada um de nós.
Obs: Imagem enviada pela autora.