Patricia Tenório 11 de outubro de 2011

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Hoje na escola me perguntaram qual a história mais rápida que vivi. Bah, eu me acho um bom contador de histórias. Não é a toa que os guris do mirante no bairro de Santa Tereza me chamam quando os gringos vão ver a vista da cidade.

É Gabriel pra cá, Gabriel pra lá, não dão sossego. Mas essa pergunta da professora me fez encafuscar as idéias para achar alguma que presta.

Olha que minhas idéias não atrapalham. Minha mãe me chama de um Pretinho inteligente, eu encho o peito e levanto a cabeça: sei o que sou. Lá vem a pergunta… Vai, volta nos meus pensamentos e não me deixa em paz.

Que bom seria se eu não soubesse contar histórias! Iriam parar de me chamar assim, toda vez que estou fazendo nada, só olhando pro céu com a cabeça vazia.

O passarinho voou bem perto, logo quando estava na Praça da Matriz com o estilingue de lado; preparei a pedra, a pontaria certa – o poeta me puxou a camisa, balançou a cabeça e disse pra eu passar mais tarde n’A rua dos Cataventos.

Eu que não me meto com poesia; deixa pra lá, só sei contar histórias. E a mais curta? O sino da Igreja de Nossa Senhora das Dores vai tocar daqui um pouquinho; correndo chego a tempo de ficar embaixo, de costas, o dilindar no pé da barriga.

Feito quando ficava boiando e boiando no rio Guaíba, a Rua da Praia ainda nem existia, a gente pulava e o sol esquentando rosto, os pés e as mãos, a água entrando pelos ouvidos e se guardando no coração.

Bum-bum-bum, o sino e o coração se conversam, esta igreja é muito velha e nunca acabou de construir. Dizem, foi por causa de uma maldição: um escravo que foi preso por engano lançou.

Não acredito em fantasmas, não senhor. Eu até faço em noite de lua cheia uns assustados para as minhas primas. É assim: pego uma abóbora, faço dente, faço olho, coloco uma vela dentro e visto um corpo de lençol. As gurias correm pra valer.

Os cavalos soltos na pradaria da Jacobina não me metem medo. Saio do rio, nu mesmo, não me importo, monto neles e seguro a crina, e galopo, galopo, o frio vai escorrendo devagarzinho pelas costas.

Dá tempo de ainda pegar a comunhão. Fiz catequese, sim senhor. Me preparei bem, não perdia uma aula. E quando a hóstia branca bateu na minha língua pela primeira vez pensei que ia chegar nas nuvens.

Mas eu acho que cheguei. Só um instante e cheguei. Quando a menina, aquela de tranças vermelhas, o senhor sabe, da escola dominical… A menina de tranças vermelhas colou um beijo na minha bochecha quente.

Foi quando senti que meus sapatos floridos se levantavam na direção do céu.

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* Texto extraído de Grãos, 2007, Editora Calibán.

** O pôr-do-sol no mirante do bairro de Santa Tereza – Porto Alegre – RS.

Obs: Imagem enviada pela autora.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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