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Ela entrou cambaleando pela porta do pequeno apartamento, atropelando todos os móveis enquanto cambaleava para o quarto, deixando os sapatos, a saia e o avental da lanchonete pelo caminho. Jogou-se na cama assustando o Gato, que pulou para o chão contrariado.
O barulho e a claridade da rua entravam pela janela, que apoiava uns vasinhos de flores secas. Um carro ou outro passava na rua, mas ela, entorpecida, parecia não notar o movimento fora do apartamento, só sentia o corpo cansado pesando na cama.
Ela meteu a mão por debaixo do colchão e puxou a foto surrada para frente dos olhos. Era achava até engraçado, guardar aquela foto ali, numa época de digitais e computadores, mas a mantinha ali. Não a olhava todos os dias, mas de vez em quando alguma coisa apertava forte em seu peito e ela precisava encarar aquela foto, até que adormecesse ou que o dia entrasse pela janela a chamando para os estudos.
E assim ela pegou a foto e a encarou, mesmo sem ver. Sabia cada detalhe da foto, já havia absorvido cada cor, que hoje já desbotara. Ele sentava nas escadas de uma casa, uma casa que ela nem lembrava mais como era direito, com as duas no colo. Ele sorria para a câmera, e elas olhavam uma para cada lado. Ela mesma, ali na foto, tinha o olhar desfocado, sonolento. E ela mesma, ali em seu apartamento, sentia saudade daquele olhar dele, daquele abraço. Quantos anos já não tinham passado desde que ganhara um abraço daquele, carinhoso como aquele.
De repente não havia mais nada, nada do apartamento escuro, do Gato, do cansaço, da foto, nada. Só a lembrança de um abraço, de um carinho fraterno -paterno -sem fim. Ali, com ela, só havia o calor de uma lembrança e de um abraço, e uma foto, uma foto de duas meninas e um homem com o rosto borrado por uma lágrima. 08.10.12