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Lembro da primeira vez que te vi. Ainda não havia aurora, o mundo apenas ensaiava ser mundo. Pintavas o céu de azul. Tuas mãos transbordavam luzes e cores. E bordavas o céu, os amanheceres, os entardeceres e os anoiteceres. Doava-nos o porvir.
Tentei me aproximar de ti. Trocamos olhares e me estendeste as mãos.
Mil anos depois, eu te reencontrei a tecer os campos com outonos e primaveras. Fiquei a contemplar como propiciavas plenitude de cores às folhagens e às flores, como as ramagens das árvores se encantavam com os leves toques de tuas mãos. Por certo, ali nasceu a delicadeza.
Novamente, trocamos olhares e nos aproximamos mais. Até conversamos. Falaste-me das nuances do viver e da invenção da palavra. Assim, te tornaste verbo e te diferenciaste das coisas, dos seres, do universo.
Partiste. Mil séculos depois, eu te redescubro dentro de meu agora. Eu te vejo nas cores do mundo. Eu te apreendo em todas as estações.
E anos-luz se foram. Tornei-me palavra, teu verbo em mim. Solto no mundo, cumpri o risco de voar sem ti e sem mais te reencontrar. Caminho dentro de teu silêncio.
Tenho medo. Temo me transformar em seteira sem tua luz, lua escondida entre nuvens, madrugada sem manhãs. Devias voltar, pois tornei-me humano. Perdi meu porvir, gastei minha delicadeza.
Finalmente, aprendi tua solidão.