Para o dicionário, ranzinza é aquele indivíduo birrento, insistente, teimoso, aborrecido, rabugento, impertinente, ranheta. O pai dos burros é demasiadamente meticuloso. Pode-se definir ranzinza apenas como aquele cidadão muito, muito chato. Simples assim. Pelos motivos acima expostos e outros quinhentos a mais, um ranzinza precisa morar só. Trata-se de um respeito social com os demais. Questão puramente cognitiva: se o ranzinza não vai ter em quem descontar a chatice, vai sobrar para a geladeira, o fogão, o microondas, a televisão…
Acontece que o ranzinza, por definição, é averso às tecnologias que passam outras para trás. Por exemplo: o microondas. Se existe o fogão que esquenta e cozinha as comidas de forma saudável, por que usar o microondas que usa um processo artificial, desidrata as comidas e ainda (dizem…) é prejudicial à saúde? E o pior é que um cacareco daquele tamanho ainda consegue ser mais caro do que um fogão todo bonitão com quatro maravilhosas bocas e um super, porém minúsculo, forno.
Não é atraente a idéia de ir para o fogão, principalmente para alguém que não seja, digamos assim, um exímio mestre-cuca. Sem alternativa plausível, é preciso ceder aos apelos tecnológicos e aderir ao microondas. Nem que seja para comprar e deixar que os outros usem.
Afinal de contas, também por definição, um ranzinza é teimoso pra baralho. Usa o microondas apenas em última instância ou quando o nível etílico não permite um hábil manuseio do fogão — sem que o Corpo de Bombeiros precise invadir o edifício.
Depois de ter enchido a cara no noite anterior, o ranheta acorda em pleno sábado com aquele sol na cara e aquela fome no bucho. Suado, atordoado, começa a resmungar contra o ar-condicionado que, se não consumisse tanta energia, seria ligado mais vezes além das ocasiões especiais. Mas o danado insiste em ser um papa-quilowatt. Para não perder o hábito, o rabugento xinga logo a janela, por não ter um tamanho menor e, como conseqüência, encarece o custo de cortinas para proteger do sol — que ainda irão baixar de preço neste ano, eu hei de acreditar.
Como a única coisa a refestelar o estômago, até aquele momento, havia sido meio pote de azeitonas como petisco da birita na noite anterior (juro que estou tentando parar), o ranzinza acha melhor deixar a preguiça de lado e tentar preparar algo, no mínimo, comestível e sem um odor, digamos assim, muito desconfortável… como de costume.
Para alegria geral da nação de solitárias estomacais, o congelador ainda abriga o resto de uma comida congelada, made in Carrefour, cuja validade só expirou há duas semanas. O que uma boa promoção não faz…
Olho para o microondas, o microondas olha para mim. Vem aquela xingada básica e logo lembro da última vez que fui usá-lo: ele esquentou tanto a comida que, quando fui pegar o prato, levei foi uma queimadura. E o pior, o prato estava cheio de água, por conta da desidratação alimentícia. Entendeu?
Fogão, venha cá, meu bem
Ranzinzas, por definição, são lerdos durante a manhã. Esquecem que eletrodomésticos ultrapassados do milênio anterior às vezes são dependentes de acessórios. Por exemplo, o fogão depende do gás para funcionar — que acabou há três semanas, mais ou menos na mesma época em que se acabaram os fósforos. Oras, o carro não tem reserva de combustível e acende uma luz avisando? O que custa inventarem uma reserva de gás no bujão?
Após um pedido formal de desculpas, o microondas (ele não tem opção mesmo) resolve ceder sua tecnologia para nutrir um cidadão. Pí, pí, pí. Pense num apito chato. Cinco minutos devem resolver e esquentar suficientemente: o tempo do banho.
De repente, um pipoco… BUM!. Pronto, “mataram outro lá embaixo” — é o primeiro pensamento que me vem à cabeça e provavelmente o terceiro defunto do mês. Acontece que o chuveiro elétrico parou de funcionar. Depois de ofender carinhosamente a mãe do chuveiro e toda a família de todos os funcionários da CELPE, a operadora de energia elétrica de Pernambuco, o jeito é encarar a falta de energia e esperar… esperar… esperar… esperar…
Esperar… (03.05.2001)