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Introdução

O mês de Setembro é celebrado por muitíssimas comunidades cristãs, no Brasil, como “o Mês da Bíblia”. Este ano foi escolhido para leitura e meditação o bonito Livro da Sabedoria. Escrito muito oportuno quando nos preparávamos para as importantes eleições no país. Trata do poder, da idolatria e da divisão da sociedade entre “justos” e “injustos”. Para começar, chama a atenção sua qualidade poética, com imagens bonitas e cheias de sentido: “O espírito do Senhor enche o universo, e ele, que mantém unidas todas as coisas, não ignora nenhum som” (1, 7); “o Abismo não reina sobre a terra, porque a Justiça é imortal” (1, 14-15); “fumaça é o sopro de nosso nariz e o pensamento, centelha do coração que bate” (2, 2); “nossa vida é a passagem de uma sombra” (ver 2, 4-5); “ela (a Sabedoria) é eflúvio do poder de Deus, emanação puríssima da glória do Onipotente” (imagem ousada tendo em conta a tradição do monoteísmo hebraico (ver 7, 15-8.1, na esteira de Pr 7, 15seguintes e Jó 28); “quando um silêncio profundo envolvia todas as coisas e a noite ia em meio a seu rápido percurso, tua Palavra onipotente lançou-se, guerreiro inexorável, do trono real dos céus para o meio de uma terra de extermínio, trazendo a espada afiada de uma ordem irrevogável, deteve-se e encheu de morte o universo, de um lado tocava o céu, de outro pisava a terra” (ver 18, 14-19), E tantas outras imagens fortes para retratar o poder divino, como esta: “Mas a todos poupas, porque são teus, Senhor, amigo da vida!”

Além desse aspecto intensamente poético, o texto consegue fazer uma das análises mais profundas sobre o fenômeno humano da idolatria. Na verdade, os ídolos não são outra coisa, senão a projeção religiosa de nossas carências e de nossos sonhos e desejos. Não passam de “obra de nossas mãos”, produtos de nossa atividade econômica, legitimação de “status” social e de poder político e, finalmente, aprovação de valores que guiam nossa vida, em nome dos deuses. É impossível separar a “religião” de todo o conjunto de relações e estruturas sociais de convivência. Vivendo no ambiente helenista do Egito no século antes de Cristo, os autores tiveram a coragem e a agudeza mental e espiritual para elaborar uma meditação profunda sobre as causas da corrupção do sistema social da época. E com isso nos ensinam que nossa tarefa continua a ser a mesma: a análise das relações entre as tradições religiosas e o sistema social vigente. Com lucidez nos ajudam a perceber a diferença entre “religião” e “fé”; a ver com clareza que “a Bíblia é um livro em linguagem religiosa, mas\não simplesmente um livro de religião”. Antes, é uma proposta global de vida, pessoal e coletiva, que abarca todas as dimensões da existência humana. E nos alertam para o perigo tão comum de confundir o religioso, que é sempre obra nossa, com a revelação da Palavra de Deus, que deve provocar a mudança profunda e radical do conjunto de nossa vida, desde a prática econômica até a elaboração de nossos valores culturais, passando pelas relações e estruturas políticas. No momento em que se vai encerrando o documento da antiga aliança, é impressionante como a tradição do Êxodo e da guia de Deus na história é tão viva e plenamente atual.    

O mundo se divide entre o “partido” dos justos e o dos injustos

Há dois lados na sociedade humana: JUSTOS versus INJUSTOS, é o conflito de dois “caminhos” opostos. O marco de separação é a perspectiva da IMORTALIDADE, não entendida simplesmente como imortalidade da alma, mas como  RESSURREIÇÃO, traço da “imagem e semelhança” de Deus no ser humano, como vemos na criação (cf. 2, 23; Gn 1-2)). Em outras palavras: o horizonte não é a morte, mas a VIDA – a vida criada na materialidade do mundo é para durar para sempre, Deus é “o amigo da vida” (Sb 11, 24-26; 2Mc 7; Rm 8).

Ora, para o grupo dos injustos “perversos” (cf. Sl 1), que não creem na ressurreição e eternidade da Criação, o único horizonte é o gozo egoísta deste mundo, o que só é possível a preço da vida de outrem. A injustiça é a visão (teoria) e a prática em desacordo com o dinamismo profundo da vida, pois a compreensão da vida, como tarefa coletiva e solidária, é o canal de revelação da vontade de Deus. Os poderosos deviam buscar a sabedoria mediante a análise cuidadosa da Criação e da história, para daí tirar lições sobre o caminho a trilhar. 

No panorama do mundo, o que se percebe é a IDOLATRIA que caracteriza o sistema do Império (“Pax Romana”; cf. Sb 14, 22) em oposição à Sabedoria de Deus – a antiga opressão no Egito continua a ser a memória clássica que ajuda a compreender o drama do combate entre a JUSTIÇA e a INJUSTIÇA, e estimula o “partido” das pessoas justas a manter-se fiel e a lutar pela LIBERTAÇÃO (cf, Ex 32, 1).

A crítica à idolatria enquanto ridícula e perversa

A idolatria se explica pela dificuldade humana de reconhecer o Artífice através de Suas obras (cf. 13, 1). O espetáculo de beleza da Natureza nos arrebata e nos desvia do Autor, talvez porque sentimos a nós e a nossos desejos projetados na beleza do mundo, um deus complacente que não exige ir além de nós (cf. 13, 2-9). É paradoxal e ridículo: sentimo-nos senhores e senhoras de tudo, ao mesmo tempo em que nos submetemos às coisas que deveriam justamente estar sob nossa guarda e cultivo (cf. Gn 1-2);

1. O que são as estátuas dos ídolos? Seres mortos fabricados dos mesmos materiais de que são fabricados os vasos e utensílios que pomos a nosso serviço, o mesmo material que usamos como combustível para o fogo, não passam de “produtos” de artesãos profissionais ou de artistas. Está subentendida a relação íntima entre economia, cultura e religião (cf. 13, 10-14);

2. A imagem, uma vez “entronizada” precisa de nossa proteção, e mesmo assim a elas recorremos em oração: para a saúde, invoca-se o que é “infirmo” (fraco); para a vida, o morto; para ajuda, o que não tem experiência; para proteção na viagem, quem não é capaz de dar um passo sequer; pede-se vigor — para êxito em trabalhos e empresas – a quem não tem nenhum vigor nas próprias mãos (cf. 13, 15-19);

3. O desafio da navegação: no perigo dos mares (o mar era um abismo misterioso e insidioso), invoca-se “madeira mais frágil que o barco que nos transporta” (alusão à imagem que se usava fixar na proa ou na popa (cf. 14, 1-10);

4. Os ídolos das nações são a amostra da grande ilusão humana, pois a origem da idolatria é bem identificável: surge do culto aos mortos, na procura de consolação pela perda e a dor (cf. 14, 15-16); vem do culto aos poderosos, alvo da adulação dos súditos (cf. 14, 16-17); finalmente, é resultado da ambição de artistas e mercadores – “homens escravos da desgraça ou do poder impuseram o Nome incomunicável à pedra e à madeira” (cf. 14, 18-21). Ou seja, tudo é projeção e obra nossa. Sugere-se a íntima relação da religião (culto dos mortos) com a política (adulação aos poderosos) e economia (ambição de artistas e mercadores);

5. A perversão da idolatria se expressa claramente no sistema de vida coletivo: o sistema idolátrico é “guerra da ignorância” proclamada como “paz” (alusão à “pax romana”): infanticídios, orgias, cultos secretos, crimes de sangue, roubo, adultérios, e outras desordens sexuais… A idolatria está no próprio tecido do sistema de vida coletivo: “princípio, causa e fim de todo mal… injustiça, crime e sangue… (cf. 14. 22-31);

6. Em contraste, a fidelidade a Deus, ou seja, a justiça integral é fonte de vida imortal e é fruto do (re)conhecimento de Deus (cf. 15, 1-6);

7. O ridículo da idolatria (cf. 14, 18-21): os artesãos do barro modelam objetos úteis a nossos usos e do mesmo material fazem deuses (cf. 15, 7-8), são colegas de ourives (prata, ouro e bronze) (cf. 15, 9) e são mais vis que o barro da terra: o interesse comercial os rebaixa à vileza dos materiais usados (barro, cinzas): a existência é equiparada a feira de negócios (cf. 15, 9-13). Sente-se aqui a forte relação entre a fabricação de ídolos e a economia em busca de lucro…

8. Finalmente, voltando à memória do Egito, comenta-se a zoolatria: os poderosos egípcios opressores são “mais infelizes que a alma de uma criança” (néscios, totalmente enganados), enganam-se com ídolos impotentes feitos por seres humanos (cf. 15, 14-19), A grande inversão: são “melhores (superiores) que os objetos que adoram”: estátuas de animais.

9. É recomendável consultar os Salmos, por exemplo, Sl 82; 115; 135; 146; assim como textos proféticos, como Is 44, 9-20. Na corrente profética os ídolos são chamados de “prata e ouro” (dinheiro), “vaidades” (coisas vãs, vazias), “ilusões” e “mentiras”, hoje diríamos “alienação”; as potências estrangeiras, seu dinheiro e suas armas, são consideradas ídolos… Os deuses, de fato, somos nós rebaixados a adoradores de nossas obras, o que se simboliza na adoração de seres inferiores a nós…

O papel da religião na vida/sociedade humana

            A religião na vida humana é dimensão do sistema de vida pessoal e coletivo, por isso é criação humana, criação cultural, fruto de nossas relações e estruturas de convivência e organização:

Qual a função da religião? É linguagem simbólica para falar do Mistério da Vida e tentar comunicar-se com ele. Cada povo inventa a sua religião, articulada com a própria cultura. “Deus” é o valor supremo que aprova e legitima todos os outros valores. Mesmo que alguém, teoricamente, negue a existência de Deus, na verdade, em sua vida, adota sempre  algum valor supremo que faz as vezes de Deus. O que importa, para a Bíblia, é a função “divina” desse valor superior. Por ele, se vive, se morre e se mata, é que funciona como absoluto. É o que temos visto na história. Esse valor, ou é o Deus vivo, ou é o ídolo e o panteão dos ídolos. Na verdade, na religião se refletem todas as dimensões da vida pessoal e coletiva: economia (relações de produção), relações sociais, política (poder) e valores culturais. Podemos dizer que pela religião se expressa nosso “gostar de Deus”, necessitamos d’Ele para ordenar nossa vida e aprovar (legitimar ou deslegitimar) o que fazermos, enquanto pela fé se manifesta nossa caminhada para nos tornarmos “semelhantes a Ele”. Os budistas, e aqui nos encontramos com Jesus, dizem que “a experiência é o Caminho, cabe a cada qual de nós percorrê-lo, a fim de que um dia o próprio mensageiro se torne a mensagem”. Jesus dizia: “Eu sou o caminho”, e convidava: “Vem e segue-me!”

Não devemos esquecer: religião é criação humana, cada povo tem a sua. Ocupa o topo das criações culturais. Ela nos fornece a linguagem para poder imaginar o Mistério da Vida, sobre Ele falar e com Ele contar, pois isso só é possível em linguagem poética, simbólica, imaginativa. Como é criação humana, carrega as marcas das diversas dimensões da vida humana: economia, relações entre pessoas e grupos na sociedade, relações e estruturas políticas, e valores culturais, Como o sistema religioso está no topo de todas as relações e estruturas da vida em sociedade, o grande risco é que a religião se torne instância ideológica suprema e, assim, atue como legitimação última da vida da sociedade, projetando nossos desejos (sonhos) e nossas frustrações, além de se impor como “mandamento”. Estamos vendo claramente isso na atual campanha política: “igrejas” e líderes de igrejas expressando apoio explícito a candidatos, inclusive candidatos claramente antipopulares e que representam ameaça aos direitos do povo, sobretudo dos pobres, ou seja, “religião” envolvida com interesses econômicos (dinheiro e interesses corporativos) e políticos (cada vez mais se confundem igrejas e partidos), interessadas em dominar a cabeça do povo em função da classe dominante do país, instrumentalizando valores tradicionais, como família, sexualidade, Palavra de Deus (“a bancada da Bíblia”), obediência, autoridade, “paz social”, violência, respeito, submissão, ordem…. É trágico perceber que pessoas que se dizem fiéis a Deus não se perguntem se os candidatos que estão a apoiar revelam ter algum traço do Evangelho de Jesus: quem despreza as mulheres, as pessoas negras, os povos originários, as pessoas ou os segmentos mais frágeis e pobres… como alguém com tais posições tem a ver com as propostas do Evangelho? Tanta “religião” e tão pouca “fé”!…

Na organização religiosa, há sempre três elementos básicos: o MITO (os relatos sobre o mundo divino), as doutrinas, formuladas na terra que passam a ser tidas como revelação celestial), o RITO e o SACRIFÍCIO que nos unem à divindade e entre nós. O nosso Deus pode não passar de um ídolo, assim como nossas práticas religiosas e nossos santos(as) ou símbolos de qualquer religião ou igreja que seja.

Por isso, é importante perceber a diferença entre RELIGIÃO e FÉ. A religião é útil e até necessária enquanto linguagem compartilhada coletivamente. Mas não é o mesmo que a fé. Esta é profunda e radical transformação antropológica, isto é, transformação radical da vida humana: “tornar-se nova criatura”, “nascer de novo”, “nascer do Espírito”, “entrar na vida que é eterna”, “nascer do Alto”, “nascer de Deus”, etc, Fé não é nem religião nem crença, mas radical CONFIANÇA na FIRMEZA do Caminho e por isso se traduz em FIDELIDADE – o chão do Caminho é como rocha de novo alicerce (fundamento) da própria vida (cf. Mc 1, 14-15). Jesus era judeu de religião e não instituiu uma outra religião ou crença, nem os Apóstolos o fizeram. Sem dúvida, o Cristianismo é uma religião que se foi organizando desde o século II d.C., mas não é isso o que significa “ecclesía” (Igreja), “assembleia da nova aliança”. A “ecclesía” (assembleia, comunidade), que traduzimos como “Igreja”, é a comunidade de discípulos e discípulas de Jesus. O Evangelho é nova proposta de Caminho na existência humana coletiva que nos leva a retomar com entusiasmo a mesma missão de Jesus para que na sociedade comecemos a viver, desde a economia até a religião, passando pelas relações sociais, políticas e culturais, viver as relações e o jeito de organizar-nos na sociedade de acordo com os padrões do Reino de Deus, como nos ensina a Bíblia, tanto no Novo como no Primeiro Testamento. O Apóstolo São Paulo vai dizer que o que nos caracteriza é a “liberdade de filhos e filhas de Deus” (cf, Carta aos Gálatas).

Quem é Deus?

Deus é abscôndito, diz Isaías, invisível, sem forma, além de qualquer representação sensível ou mesmo mental. Não se revela em si mesmo, mas por identificação, como Caminho de fidelidade e de vida, união (cf. Jo 15) e semelhança (cf. 1Jo 3 e 4). Vale a pena recordar o que se diz em Ex 3, na conversa entre Moisés e Deus: YHWH quer dizer “Estou aí”, “Estou contigo”, é este o Nome de Deus que se revela a nós. Como diz o Apóstolo São Paulo: “N’Ele vivemos, nos movemos e existimos” (At 17, 28). No texto que apresenta os Mandamentos (Dt 5), o Deus invisível é o fundamento das normas que dirigem nossas relações visíveis: o Deus único é o fundamento de um só povo em aliança, não há outros deuses; por isso, não se pode projetar a divindade em imagens que legitimem  o desencontro e a dispersão humana, muito menos ainda a inimizade e a guerra, ao contrário, a única imagem é o próprio ser humano, homem e mulher, frente a frente e de mãos dadas (cf. Gn 1, 26-27; cf, Gn 2); o Dia do Senhor, o Repouso, é a festa do povo, para celebrar a superioridade humana sobre as próprias obras (trabalho) e festejar a liberdade social e a igualdade. O Dia do Senhor é o Dia da Festa do Povo (cf. Dt 5, 12-15),

Portanto, Deus é entre nós, conosco e em nós. Sua relação conosco se dá naquele ponto onde reside nossa identidade profunda, onde podemos nos tornar semelhantes a Ele ou o seu contrário (diabo), esse ponto é o PODER. Não apenas temos poder, mas somos poder, pois poder são as nossas capacidades e possibilidades. O poder se manifesta pelo dinamismo de CONHECER (saber), de DESEJAR (prazer) e de POSSUIR (ter). Na medida em que nos realizamos nessas três dimensões é que somos PESSOA, isto é, SER EM SI, com a posse de si. Mas não somos em nós enquanto somos para nós, sintoma de nossa imaturidade, de insegurança e de medo de que as outras pessoas nos roubem o poder, nos roubem de nós. Só somos em nós enquanto já não somos para nós, mas para além de nós. Na verdade, só se entrega quem tem a plena posse de si. Ora, estar para além de si é estar em Deus. Por isso, diz São João: “No amor não cabe temor”. Na verdade,         quem se dá, quem entrega a própria vida, quem ama, dá sinal de que se possui, alcançou a liberdade (cf. 1Jo 3 e 4). Em outras palavras, venceu a idolatria.

Assim, Deus é a dimensão transcendente (para além) que se revela em nossa experiência de relação com as outras pessoas, com a Natureza e com o Futuro. Em outras palavras, Deus se revela como presença íntima em nossa dimensão de abertura para além de nós, justamente o que nos humaniza, pois aí o poder se manifesta como AMOR e, sem medo, se devota a comunicar poder (“empoderar”) a outros seres a nosso redor. Somos mais porque já não somos apenas “eu”, mas NÓS. Essa experiência se caracteriza como algo que toca o divino, tornamo-nos “semelhantes a Deus”, no seguimento de Jesus, o Filho (cf. Jo 5), na unidade do mesmo Espírito. Por isso, a experiência de Deus se dá em comunidade, é a grande mensagem do Apóstolo São Paulo e de São João, Aí, na experiência de comunidade, o direito de cada pessoa está correlativamente articulado com a responsabilidade pela felicidade do conjunto, exigindo-se, assim, na sociedade uma pedagogia da responsabilidade pessoal. Em outras palavras, uma pedagogia que guie as pessoas a perceberem as condições concretas da prática do amor, pois aos “direitos humanos” correspondem “responsabilidades (ou deveres) humanas” das pessoas em face das outras, em face do mundo (Natureza, ambiente) e em face do Futuro;

É significativo que no Cristianismo o “mito” celestial se torne o anúncio da Encarnação: Deus entre nós e conosco, semelhante a nós (cf. Prólogo de São João: “O Verbo se fez carne”; cf. Fl 2, 1-11); o “rito” se transforme na Ceia fraterna, com serviço e patilha, já não seja um “ritual sagrado”, mas um ato amoroso existencial (cf. Mc 10, 32-52); e o “sacrifício” seja “a entrega do próprio corpo (as relações quotidianas) em sacrifício vivo” e que “não haja conformação (amoldagem) às estruturas do sistema deste mundo” (Rm 12, 1-2). Desta forma,  rompe-se toda tentação de idolatria e a Bíblia, que é nossa guia, mesmo sendo um “livro religioso”, não se reduz a um “livro de religião”. De fato, é o testemunho da experiência histórica de fé capaz de transformar a totalidade da vida humana.

Finalmente, se Deus é uma realidade “pessoal”, naturalmente gostaríamos de  perceber o Seu rosto. A Bíblia nos dá indicações muito claras. Muita gente não se satisfaz. Para convencer-se, é preciso amadurecer na caminhada espiritual, isto é, sentir a presença de Deus em si mesmo, em união íntima consigo: a) “Mostra-nos o Pai!” “Quem me vê, viu meu Pai”,(Deus está em Jesus, o homem, torturado e condenado; b) Quando foi que Te vimos…?” Todas as vezes que o fizestes ao menor de meus irmãos, foi a Mim que o fizestes”, Deus se manifesta nos pobres que necessitam de nós; c)”Faze-nos um deus que vá a nossa frente, porque a esse Moisés, a esse homem que nos fez subir do Egito, não sabemos o que lhe aconteceu” (Ex 32, 1), sim, Deus se manifesta na caminhada da liberdade; d) “Façamos o ser humano a nossa imagem e semelhança”, Deus se  manifesta e se dá entre nós e através de nós, homens e mulheres. Dom Helder Camara testemunha eloquentemente ter chegado a essa percepção realista e imediata do “Cristo vivo” nas outras pessoas e no seu próprio interior, e sobretudo nos pobres, ali bem a sua frente, fonte de sua constante contemplação espiritual e de ação profética em vista de transformar (“recriar”) este mundo…

Obs: O Autor é Bispo Emérito da Diocese Anglicana do Recife
Igreja Episcopal Anglicana do Brasil – IEAB….

Imagens enviadas pelo autor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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