Muitos preferem tapar os ouvidos para não escutar nada. Mas, neste ano, no Dia da Pátria vai acontecer de novo o Grito dos Excluídos. Quando foi iniciado, em 1995, nem se imaginava que tivesse uma sobrevida tão longa. Acontece que ainda continuam realidades gritantes, que o Grito expressa, para despertar nossa consciência de cidadãos, sobretudo no dia em que celebramos a Pátria.
Um missionário de Manaus me contou um fato preocupante. De acordo com atentas observações, vem acontecendo um fenômeno estranho com o Rio Amazonas. Em cada ano, na vazante, o leito do rio perde nove metros de largura, em ambos os lados. Os igarapés vão secando com uma rapidez assustadora.
Diante desta preocupação, em meio à imensidão da Amazônia, surge espontânea a vontade de gritar. Neste ano o Grito dos Excluídos da Amazônia vai dar força ao clamor pela salvação dos igarapés. Assim toma mais força o grito que há mais tempo vem ecoando no mundo inteiro em favor da Amazônia.
A Conferência dos Religiosos do Brasil resolveu formar uma rede visando colaborar para a erradicação do tráfico de seres humanos. Os números são assustadores. Calcula-se que existem na Europa oitenta mil mulheres brasileiras em regime de escravidão, para exploração sexual. Tempos atrás a imprensa se deu conta que a maioria das mulheres a serviço dos turistas em Palma de Majorca são brasileiras. Pois este não é um fato isolado. A extensão do problema é bem mais amplo.
Segundo a Organização Mundial do Trabalho (OIT), o lucro anual produzido pelo tráfico de seres humanos, seja para exploração sexual, comércio de órgãos ou para fins de trabalho escravo, ultrapassa os trinta bilhões de dólares. Depois da droga, é o negocio mais rentável do mundo. Diante desta realidade, é para ficar calado, ou deve-se gritar? Os Religiosos resolveram gritar! E denominaram sua rede de “Grito Pela Vida”.
Outra situação “gritante” é a “diretiva de retorno”, aprovada pela Comunidade Européia. Numa estranha atitude de fechamento sobre si própria, a Europa, que ao longo de séculos enviou migrantes a quase todos os continentes, agora pretende devolver todos os estrangeiros que se encontram em seu território sem documentação. Mesmo a custo de rompimento de laços familiares, esta lei quer impor uma barreira definitiva à entrada de migrantes no continente europeu.
Diante desta lei, os migrantes clamam por seus direitos de seres humanos, cidadãos deste mundo. Eles têm motivo de gritar. Sua situação apela para a nossa solidariedade, ao mesmo tempo que urge um desenvolvimento mais justo que beneficie todos os países do mundo, para que voltem a ser habitáveis, tornando viável uma sadia circulação de migrantes, que sempre foram portadores de novos impulsos vitais.
Em outubro teremos eleições municipais. Olhando as campanhas, parece que entramos em estado de letargia política. Bem vindos os gritos que conseguem despertar os cidadãos para a responsabilidade de assumir as causas públicas, valorizando nossas instâncias estatais.
Estas e outras situações concretas podem se traduzir em gritos de alerta, que convém escutar. Mas existe um motivo maior e mais amplo. Ele vem da própria natureza, e nos adverte da seriedade do desequilíbrio ambiental. As conseqüências do aquecimento global são um grito de alerta que a própria natureza está nos dirigindo.
O grito é a reação salutar de um organismo que ainda tem dentro de si a vitalidade para enfrentar ameaças. No Dia da Pátria, os gritos somados vão mostrar quanto estamos dispostos a assumir um projeto de nação onde todos se sentem cidadãos conscientes e responsáveis. (04.09.2008)
Obs: O autor é Bispo Emérito de Jales.