No livro História da Bahia, o célebre professor Luis Henrique Dias Tavares, cita que “no dia 13 de junho de 1549 se realizou a primeira procissão de Corpus Crhisti na cidade de Salvador, conforme carta do Pe. Nóbrega”.
De fato, o catolicismo estava profundamente arraigado na sociedade portuguesa quando os conquistadores iniciaram a colonização do Brasil através da Bahia. Os adultos é que tinham a incumbência de ir transmitindo os ensinamentos da fé que iam passando de geração a geração. Na verdade essa catequese não tinha um aspecto doutrinal, nem era apresentada de forma sistemática. Os principais elementos da fé eram apresentados no âmbito doméstico. Os episódios da história sagrada eram adaptados para transmitir valores morais e tinham um valor especial os fatos históricos ou as lendas piedosas da vida dos santos, onde se evidenciava seu poder de intercessão junto a Deus. Essa catequese de tipo familiar e comunitária dava muito valor aos símbolos, aos ritos, às imagens, e utilizava a via oral como instrumento de comunicação.
Os historiadores apresentam três modalidades de expressão da fé nessa época: o primeiro é um catolicismo guerreiro, tendo nos representantes da Coroa os seus principais propugnadores; depois vem um catolicismo penitencial, no qual os jesuítas foram os melhores representantes; e, por fim, o catolicismo se reveste de forma lúdica, forma amplamente difundida dos colonos portugueses. Essas categorias não eram formas estanques, mas se interpenetravam nas diversas modalidades e práticas religiosas.
Nas manifestações religiosas portuguesas conjugavam-se, de modo harmônico, a dor e a alegria. O aspecto penitencial e doloroso nas comemorações da Paixão e Morte de Cristo tem um lugar de destaque na devoção do nosso povo até os dias de hoje. Em muitos lugares, o ápice da Semana Santa se encontra na procissão do encontro de Maria com seu Filho transportando a cruz e na procissão do Senhor Morto.
Nesse âmbito, é que Gilberto Freyre explica a importância das procissões, um dos veículos mais importantes para se entender o catolicismo da colonização, como resultado da contribuição lusitana:” Desfilavam-se Irmandades, as Ordens Terceiras, uma variedade de opas, bandas de música, penitentes nus da cintura para cima”. Nesse contexto, celebração religiosa era sinônimo de procissão. As próprias Ordenações do Reino determinavam certas procissões como sendo obrigatórias e só as pessoas que estivessem “ a mais de uma légua” é que estavam dispensadas delas. Em muitas procissões as autoridades estavam presentes, assim como os senhores de engenho e fazendeiros que vinham do campo só para esse acontecimento.
Como essas manifestações se revestiam de caráter festivo, os jesuítas lamentavam-se que os habitantes da região gostassem apenas de festa, não se entregando a ocupações sérias, por isso sempre incentivavam o cunho penitencial nos cultos.
O historiador Serafim Leite cita Nóbrega, que veio com Thomé de Souza, descrevendo as primeiras celebrações na Bahia:”Eu, Nóbrega, disse missa, e o Pe. Navarro a epístola, outro o evangelho. Leonardo Nunes e outro clérigo, com leigos de boas vozes, regiam o coro com grande música, a que respondiam as trombetas. Ficam os índios espantados de tal maneira que depois pediam ao Pe. Navarro que lhes cantasse como na procissão se fazia. Outra procissão se fez no dia de Corpus Christi, mui solene, em que jogou toda a artilharia que estava na cerca, as ruas enramadas, houve danças e invenções, à maneira de Portugal”. E ainda acrescenta com ponderação:”Tais festas desenvolveram-se extraordinariamnete, entremeando-se o pitoresco com a exterioridade e a devoção sincera”.
Em todos os recantos do Recôncavo, resquícios dessas manifestações estarão presentes no dia de Corpus Christi. Em Maragojipe, por exemplo, a Missa é celebrada logo cedo, às 7:30 e é seguida de uma monumental procissão com o Santíssimo Sacramento sendo levado pelas ruas, sob o pálio transportado por senhores das irmandades e pelos políticos que disputam um lugar no olhar dos fiéis.
O hino , chamado de “Sequência”, que é cantado nesse dia, dá o sentido litúrgico da festa:
“Quão solene a festa, o dia/que da santa Eucaristia/nos recorda a instituição./Novo Rei e nova mesa,/nova Páscoa e realeza,/foi-se a Páscoa dos judeus./O que o Cristo faz na Ceia,/manda a Igreja que o rodeia/repeti-lo até voltar./Aos mortais dando comida,/dais também o pão da vida,/que a família assim nutrida,/seja um dia reunida/aos convivas lá no céu.”
Sebastião Heber. Professor Adjunto da Uneb, da Cairu, da Faculdade 2 de Julho. Membro do IGHB, da Academia Mater Salvatoris e do Instituto genealógico da BA.