No mundo inteiro, as festividades de junho marcam a mudança de estação e o solstício, no hemisfério norte, do Verão e no sul, do inverno. Não se sabe quando começaram estas tradições que, de um modo ou do outro, ocorrem nos diversos continentes e culturas. Nos Andes, a cada ano, no dia 21 de junho, as comunidades indígenas celebram o ano novo andino com a festa do Sol. Aqui no Brasil, não se associam festividades juninas com o ano novo, mas, em várias regiões brasileiras, é tempo de colheita no campo, por isso de fartura e festa. Este ano, no Nordeste, castigado por inundações terríveis que assolaram vários Estados, a colheita está ameaçada, mas isso não impede que, em todas as cidades, principalmente do interior, desde o começo de junho, se organizem festividades e brincadeiras que, na cultura sertaneja, marca a temporada junina.
Certamente, alguns elementos destes festejos, como a fogueira, as comidas de milho no Nordeste e o quentão no Sul, vêm de tempos imemoriais e remetem a celebrações indígenas da Mãe Terra e da colheita. Outros costumes são mais recentes. Incorporam tradições da cultura ocidental e da fé cristã, assim como ritos da sociedade da roça. Há muitos séculos, a Igreja incorporou as festas da natureza. Em Roma, no século IV, a festa do Sol se transformou no Natal, assim como os festejos do solstício de verão tomaram a forma da celebração do nascimento de São João Batista. De fato, se o Cristo é como o Sol que nasce para “iluminar os que jazem nas trevas e na sombra da morte”, João Batista é apresentado no Evangelho como fogo que arde por um tempo e lâmpada que faz brilhar a luz que é o Cristo. Os relatos do nascimento de João prevêem que, “pelo seu nascimento, muitos se alegrarão”. Os cristãos sempre acharam que as festividades juninas cumprem, de certo modo, esta profecia.
No Brasil dos tempos da escravidão, negros índios e pessoas pobres não podiam fazer festa com suas tradições próprias. Eram obrigados a imitar as danças e festejos dos seus senhores. Assim, nas festas juninas, entrou o costume da Quadrilha que veio da Corte Imperial e dos bailes da aristocracia, assim como outros costumes que se espalham pelo país. Algumas tradições vêm das lembranças do interior, como o casamento caipira e os bailes característicos destas festas. Nas encenações, o povo caricatura autoridades como o padre e o juiz de paz. Ali, aparece o que, muitas vezes, as pessoas, no cotidiano da vida, pensam destas figuras, mas não falam. É pena que o protótipo do caipira e de quem vive no interior também seja caricaturado, às vezes até ridicularizado e com desprezo social.
É preciso sempre distinguir onde as festas ocorrem dentro de um contexto comunitário e popular e onde, ao contrário, se tornou mero produto do turismo estilizado que se traveste de tradição, mas apenas para visar maior lucro e até consolidar discriminações seculares.
Seja como for, a persistência das tradições juninas no meio do povo, em todas as regiões do país, revela a resistência cultural do povo empobrecido à cultura de massas, imposta pelos meios de comunicação que ainda apostam como “cultura popular” em programas sensacionalistas de conteúdo policial e com derramamento de sangue, como também nos Big-Brothers globais. Esta resistência das comunidades populares e, em geral, do interior não é estranha à memória histórica de João Batista, o profeta que desafiou reis, denunciou os poderes iníquos que se aproveitavam do povo pobre e, no deserto, anunciou a presença divina no ser humano, assim como revelou um tempo novo de justiça e graça. Não é necessário “batizar” ou “catolicizar” estas festas com algum rito ou gesto explicitamente cristão para que estas celebrações populares sejam, no seu espírito, de conteúdo profético e até espiritual. Elas nos recordam que a adoração a Deus não tem de ser sisuda e sem graça, assim como, mesmo nas brincadeiras e até no erotismo das pessoas se revela o amor divino.
(*) Monge beneditino, teólogo e escritor. www.empaz.org/