Estou onde estou
porque todos os meus planos deram errados.

Transubstanciador dos meus sonhos e delírios,
espalho, regularmente, nessa plataforma de quimeras,
meu verso, meu sangue, minha carne,
e clamo:
leiam! Bebam! Comam!

Mas esqueço que as pessoas
não são mais crianças
e que já não se contentam com pouca coisa.

Há tanto abandonei
as inspirações políticas e éticas.
Agora, basta para mim a felicidade estética
para justificar minha graça.

Nunca pretendi ensinar, esclarecer ou interpretar
o que quer que seja,
escuto apenas uma melodia esquecida
oculta e trancada
no recôndito do coração humano,
que ainda teima em bater.

Seu som me incendeia
daí, a necessidade de espalhar essas faíscas,
na intenção de contagiar o mundo todo
com a beleza de ser
antes de estar.

Sim, porque como tantos,
perdi-me e me perdi entre essa aparente simples,
mas complicada dicotomia.

Não estamos onde estamos.
A vida, assim, sempre nessa posição falsa.
Conjecturadores de hipóteses,
armamos a nossa, necessidade do momento,
e nela mergulhamos,
mas ela sempre se transforma em duas
e duplamente fica difícil escapar delas.

Eu mesmo,
por décadas pensei ser,
enquanto apenas estava.

No beber a quantidade exagerada de cerveja
da juventude,
enquanto o vinho curtia pacientemente a minha chegada;
no curtir da música da moda,
tão cara aos ouvidos e à alma;
na vestimenta usual
que me revelava apenas um clown model;
no portar-se à maneira de todos,
ocultando meus tiques e toques
para me sentir pertencido.

Despertencendo,
varei o mundo e o tempo,
contra tudo e contra todos,
porque num certo momento percebi
que eu não era eu.
Era um arremedo, um espantalho, um louco.
Desvairado e só, como sempre estive.

Com esse preço de solidão sustentada no dente,
a cara a bater, como única moeda existente,
forjei o rumo, tracei o norte
fazendo do poente a nascente.

Hoje, estou onde estou
porque sei finalmente que eu sou.
Porque comovi-me de mim
ao ver nesse ser um outro
que logo me estranhou,
mas foi generoso
porque me pariu
esse ser às avessas.

E porque, a um louco,
não se cobra espacialidade,
sequer, temporalidade.
muito menos, coerência.

Estou no ser,
flutuando entre o que fui,
o que penso que sou
entrevendo,
comovido,
derramado
e lírico,
o que espero vir-a-ser.

[email protected]
http://ronaldo.teixeira.zip.net/
http://lounge.obviousmag.org/espantalho_lirico/

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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