teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio
O mundo acompanha com atenção e respeito a visita do Papa Bento XVI ao conturbado e sofrido Oriente Médio, com o claro objetivo de ajudar a construir a paz na região e unir as três religiões abraâmicas: Judaísmo, Cristianismo e Islamismo. No entanto, seu início foi cercado de angústia e tensão.
Por parte de alguns, havia medo de que o Papa não fosse bem acolhido em território muçulmano, após suas declarações de 2006 a propósito da conexão entre Islã e violência. De outro, o temor de que sua condição de alemão e sua biografia que aponta uma pertença – involuntária – quando criança na Juventude Hitlerista, provocasse rejeição à sua presença.
Até agora, Bento XVI foi bem recebido na Jordânia, onde visitou chefes políticos e grupos e autoridades religiosas. Em todo momento, declarou a disposição da comunidade católica de contribuir para a paz. E conclamou também os católicos a adotarem essa attitude.
A entrada em Israel foi marcada por uma visita solene e da maior importância: ao memorial Yad VaShem. A tradução literal do nome hebraico é “Autoridade de recordação dos mártires e heróis do holocausto”. Trata-se do memorial oficial de Israel para homenagear as vítimas judaicas do holocausto nazista. O monumento data de 1953 e encontra sua origem em um versículo da bíblia hebraica, canônico também para os cristãos: “E a eles darei a minha casa e dentro dos meus muros um memorial e um nome (Yad Vashem) que não será arrancado.” Isaías, capítulo 56, versículo 5.
O Papa recolheu-se em silêncio no monumento e pronunciou um emocionante discurso. Resgatou a profundidade contida no nome Yad Vashem – memória, recordação, não esquecimento de todo o sofrimento e o horror que o holocausto representou. Trata-se de um momento carregado de força simbólica, em que o Papa alemão se recolhe no memorial e declara sua total e compassiva solidariedade, assim como a de toda a comunidade católica, às vítimas do genocídio perpetrado contra os judeus.
Para expressar sua cordialidade com os judeus ali presentes, fez apelo a algo muito caro à religião de Israel: a importância do nome, que Deus inscreve no livro da Vida. Sempre que o judaísmo fala a respeito da vida, pensa em um livro. Assim como outras tradições encontram a santidade e o mistério divino em pessoas, locais e/ou objetos, a santidade judaica existe, acima de tudo, na palavra e na linguagem. Pois a fé de Israel proclama que Deus criou o mundo pela palavra. Com palavras revelou sua Lei ao povo no Sinai. Através de palavras, Deus e o povo judeu se comunicam e relacionam em grande pacto amoroso e Salvador.
A maior bênção para um israelita é ser inscrito no livro da vida, e a maior desgraça ser dele excluído. Diante do monumento que leva inscritos os nomes dos judeus assassinados durante a Segunda Guerra Mundial, Bento XVI falou aos judeus de hoje com suas próprias categorias e a partir de sua própria fé. Recordou aos presentes que aqueles milhões de judeus podiam estar mortos, mas não para Deus e para os seus seres amados. Seus nomes estão indelevelmente inscritos nos corações de seus familiares, de seus companheiros de tortura e sofrimento, dos justos que hoje combatem para impedir que tal tragédia se repita na história. E de modo especial e mais forte, na memória de Deus Onipotente.
A fé provada dos judeus mortos no holocausto foi a linguagem que o Papa usou para exortar os crentes e todos os homens de boa vontade a lutar para que a memória das vítimas jamais se apague, que o ódio nunca mais reine nos corações humanos. Pois só essa atitude nos faz dignos de ser inscritos no Livro da Vida. Embora não isenta de tensões e opiniões divergentes, certamente a visita do papa alemão ao monumento do Holocausto é um marco na história das relações católico-judaicas.
(*) Autora de “Simone Weil – A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco).
wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape