Marcelo Barros 30 de junho de 2009

É tempo de romarias em Trindade, em Bom Jesus da Lapa e outros santuários do Brasil. A vocação de todo ser humano é a de ser peregrino rumo a uma vida melhor, ou como dizia Leon Bloy, no começo do século XX: “peregrino do absoluto”. Na China, desde séculos antes de nossa era, o Taoísmo é a sabedoria espiritual que ajuda multidões. Esta tradição espiritual ensina que o termo Tao significa “caminho”. Tai-Chi-Cuan são os exercícios físicos e espirituais para “uma vida longa e saudável”.

Na tradição judaica, a romaria é um costume que se desenvolveu nas peregrinações ao templo de Jerusalém. Mais tarde, os Evangelhos contam que Jesus costumava peregrinar a Jerusalém e freqüentar o templo por ocasião das grandes festas litúrgicas. Embora no Cristianismo primitivo, as comunidades celebravam nas casas de família e acreditavam que a casa de Deus somos todos nós, desde o século IV, também no Cristianismo, tornou-se um costume de espiritualidade peregrinar aos túmulos dos apóstolos e mártires. Daí vem o nome de “romaria” (ir a Roma) e até hoje, milhões de pessoas vão anualmente aos lugares sagrados da vida de Jesus na Terra Santa, a Santiago de Compostella ou a santuários marianos como Lourdes, Fátima e Sallete.

Na espiritualidade islâmica, a peregrinação a Meca é um dos pilares da fé. Desde séculos, na Índia, existem santuários aos quais os fiéis gostam de acorrer. Na piedade de muitas camadas de nosso povo, a romaria de Trindade, como a outros santuários de peregrinação do Brasil, é uma maneira de orar não somente com a mente, mas com os pés e, como, na Idade Média, dizia São Bernardo de Claraval, com o coração e a vida. Nos santuários, as pessoas pagam promessas, ouvem a Palavra de Deus e praticam a caridade. Por isso, tantos pobres se juntam nos átrios dos santuários de peregrinação. Mas, de nada adianta a romaria dos pés se o coração não marchar primeiro. O ato de caminhar revela a disposição de mudar interiormente. É preciso avançar sempre na busca de Deus que não se encontra em um santuário de pedra e sim no mais íntimo de cada ser humano, principalmente dos que aceitam peregrinar ao mais profundo do próprio coração e reconhecer no outro irmão e irmã esta morada do divino. Nós todos somos peregrinos do Amor.

Caminhar é importante para a saúde, mas é mais do que uma necessidade física. Conforme muitos livros sagrados, o ser humano é caminheiro. A Bíblia diz que cada pessoa tem diante de si dois caminhos: um que leva à vida e outro que provoca morte (Cf. Dt 30, 15 – 19 e Salmo 1). É preciso escolher um dos dois. O caminho da vida é a solidariedade amorosa e o que contém dentro de si um germe de morte é o do egoísmo, da concorrência e do desamor.

Quando, no final dos anos 60, várias dioceses e grupos cristãos decidiram unir fé e compromisso social pela transformação do mundo, o nome a que se deu este movimento foi “caminhada”. Em meio a riscos e perseguições, as pessoas se diziam irmãs e companheiras de caminho. Hoje, quem se sabe neste caminho tem o orgulho de ter partilhado a aventura da fé e do compromisso com mártires como o padre Josimo, a irmã Doroty e tantos outros que deram a vida por esta causa.

Em uma romaria tradicional, em Trindade ou em outros santuários, há costumes e ritos comumente seguidos por todos os que costumam fazer o caminho. As pessoas costumam visitar as relíquias, dar uma volta à Igreja e cumprir sinais de penitência. Dos tempos bíblicos da subida dos peregrinos aos templos de Jerusalém, ficaram na Bíblia cânticos e orações que são chamados de graduais, orações dos degraus ou “cânticos da subida” ao templo (Cr. do salmo 120 ao 134).

Na peregrinação da vida, o itinerário supõe um aprofundamento no caminho interior que é como uma aventura no deserto, na solidão do próprio eu, onde o Espírito nos espera. Um mito antigo conta que as peregrinações surgiram porque o ser humano quer recuperar a dimensão divina que perdeu por não ter sabido usá-la amorosamente. Então, ele a procura nos santuários e nos confins da terra. Mas, o Espírito a escondeu no lugar que ele menos desconfia: no mais profundo do coração humano. É para lá que temos de fazer romaria e peregrinação.

(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.

 

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Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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