No mês de julho, em todo o Brasil, escolas e universidades dão uma pausa em suas atividades. Em várias regiões do Brasil, é tempo de férias. No Centro-oeste, é temporada de acampamentos no Araguaia. Em um país socialista como Cuba, operários ou sub-empregados que lutam para sobreviver a vida inteira, de repente, uma vez ao ano, por uma semana, podem se inscrever e se hospedam em colônias de férias e hotéis fazendas ou de praia, tudo por conta do governo. No Brasil, infelizmente, lazer ainda parece luxo e infelizmente é restritivo para quem tem dinheiro ou as mínimas condições econômicas para arcar com as despesas. Tanto o serviço de saúde governamental, como planos de saúde particular, não imaginam pôr em suas listas de serviço o lazer como essencial à saúde pública, embora os médicos recomendem descansar e fazer exercícios como natação como solução a vários problemas físicos e psíquicos.
Tanto para a saúde, como para uma espiritualidade ecumênica, é importante romper com a rotina. Cada pessoa tem sua medida de trabalho e sua necessidade de descanso. Há pessoas que se refazem plantando uma horta. Outras recreiam fazendo comida. Outras ainda se refazem dirigindo um carro. E também há quem prefira simplesmente viver alguns dias sem obrigações de horário, embora muitos ainda não se sintam livres, porque a sociedade capitalista nos faz sentir mal e como em pecado grave, quando não estamos produzindo.
É certo que, como diz a regra beneditina, “o não fazer nada é nocivo para a alma”. A ociosidade gera neuroses, violências e outros vícios. Ninguém nega o valor ou a importância do trabalho. Mas, como diria o Evangelho, o trabalho é para o ser humano e para a sua vida e não o contrário. O desafio é superar a idolatria da produção a qualquer custo, do mercado considerado como regulador maior das relações sociais e da competitividade como regra primeira da convivência humana.
A uma sociedade que insiste em considerar o tempo como dinheiro, as culturas tradicionais teimam em dizer que tempo é graça e espaço de convivência. As tradições populares contêm muito da criatividade que pode fundamentar novas relações sociais. Em uma sociedade que só dá valor ao trabalho ou ao estudo, mas não ao lazer, o trabalho e o estudo são planejados e organizados em leis bastante restritas. O lazer é abandonado à própria sorte. Quem contar quantas horas do dia uma pessoa que se forma dedica à escola, vai constatar que a escola ocupa uma parte pequena da vida (1/ 7 do tempo). Deixa uma grande parte de tempo livre sem planejamento.
O mundo inteiro pode ser reorganizado de forma que favoreça o direito que todos os seres humanos têm a uma vida digna e feliz. Este caminho não é espontâneo. Por isso, as diversas escolas de Filosofia e Ética precisam ajudar as pessoas a torná-las mais capazes do amor solidário e da construção de um mundo no qual todos sejam irmãos. O cuidado com a vida não basta para nos trazer felicidade, a não ser quando cada pessoa se faz responsável também pela vida do outro. A solidariedade é a maior fonte de felicidade e bem-estar pessoal e coletivo. Mesmo nas férias ou em pleno lazer, é possível viver de forma solidária e responsável. Para descansar, há quem peça apenas o sol do Araguaia, muita cerveja gelada, uma bela companhia e a espera dos dias que passam. Estes dias podem ser mais felizes com alguma criatividade e uma boa parcela de solidariedade humana.
O Ocidente precisou de filósofos contemporâneos como Domenico de Masi para valorizar o “ócio criativo” que, há séculos, as culturas negras e indígenas cultivam, ao menos aquelas que não se deixaram contaminar pela ambição do lucro, desencadeada pelo contato com a cultura capitalista. O ócio criativo não é simplesmente uma ausência de ocupação, mas é relacionar melhor trabalho, estudo e lazer. A reflexão sobre o “ócio criativo” ajuda as pessoas a planejarem melhor o tempo livre e a aprofundarem o sentido e o valor do lazer.
No Brasil de hoje, alguns dos trabalhos sociais mais importantes e significativos consistem em educar crianças e jovens para artes plásticas, música, dança e outras formas de arte que dão novo sentido à vida das pessoas, liberta jovens, adultos e crianças da violência de cada dia e os educa para a criatividade que, muitas vezes, falta na escola formal, presa a programas e currículos oficiais.
Podemos tornar nossa vida uma bela obra de arte, como, ao contrário, podemos transformá-la em algo desarmônico, feio e nocivo. A sociedade nos condiciona até certo ponto, mas podemos reagir a isso e sermos responsáveis por um caminho novo e mais feliz para nós mesmos, nossos semelhantes e o universo.
(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.
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