Não pegou bem o golpe de estado em Honduras. Mesmo que se deva sempre estar atento às peculiaridades de cada país, também das pequenas repúblicas centro-americanas, fica difícil aceitar a versão de que o presidente Manuel Zelaya teria violado a constituição pelo fato de convocar um plebiscito, não vinculante, para consultar o povo sobre a conveniência de realizar uma assembléia constituinte.
Será que consultar o povo é tão perigoso assim? E´ evidente que o fato serviu de pretexto para a deposição do presidente. E aí, cessam os escrúpulos com a legalidade, e uso da força militar acaba determinado uma situação de fato, e a democracia é jogada de escanteio.
Para sermos bem realistas, quando há um golpe, é porque outro poder se sobrepõe. O poder real, em muitos países latino americanos, continua na mão de oligarquias locais, que detém o poder econômico. Para elas, a democracia vale até que não ameace seus privilégios. Quando o processo democrático abre a possibilidade de mudanças substanciais, logo se orquestra uma gritaria revestida de escrúpulos democráticos, para criar o clima para a intervenção de força. Usam-se máscaras de democracia para desvirtuar os procedimentos legais, e usá-los contra as suas finalidades.
Todo golpista faz questão de mostrar escrúpulos democráticos. A atual situação de Honduras se reveste deste emaranhado complexo de ingredientes.
Alega-se que o presidente Zelaya pretendia, com a consulta popular, abrir caminho para outro mandato, que a atual constituição impede. Argumenta-se que ele pretendia seguir o caminho de Chávez na Venezuela, que tanto fez até deixar o caminho aberto para reeleições indefinidas. O que, convenhamos, é uma temeridade para a democracia. Uma das prevenções contra a perpetuação no poder são os mandatos bem determinados, que favoreçam a rotatividade no exercício do poder político.
Neste sentido, é louvável a postura do presidente Lula, de dissuadir qualquer tentativa de lhe facultar uma nova candidatura presidencial, no momento em que ele goza de grande apoio popular.
E´ um bom testemunho de democracia, que somos chamados a dar, especialmente no contexto latino americano, de frágil tradição democrática.
Ao mesmo tempo, é importante dar-nos conta que entre nós a democracia corre perigo por outros motivos. O panorama desolador do Senado, com acusações irrefutáveis de corrupção e de favorecimentos políticos, mostra quanto é urgente uma reforma política que exorcise essas manobras, e impeça o Congresso Nacional de virar balcão de negócios, em vez de exercer sua indispensável função legislativa e seu ofício de moderador do Executivo, com responsabilidades bem determinadas e bem assumidas.
No Brasil precisamos com urgência de uma reforma política, que mesmo progressiva, comece a enfrentar os gargalos que impedem o exercício eficaz e correto da democracia.
Já foram apresentadas tantas sugestões de mudanças. Até agora esbarraram no interesse dos atuais detentores do poder legislativo, só preocupados com sua reeleição. Daí a indispensável participação da cidadania, para a elaboração de propostas viáveis, que iniciem uma verdadeira reforma política, que entre outras coisas detenha a sangria desatada de gastos de um aparato estatal que perdeu o senso da medida e da conveniência.
Ficou marcado para a próxima quarta-feira, dia 08 deste mês de julho, o “manifesto para uma reforma política ampla, democrática e participativa”, proposto por diversos movimentos e entidades, entre as quais está a CNBB.
Ao menos se espera que sintomas tão evidentes de crise política despertem para a necessidade de aprovar algumas propostas mínimas, que constam deste manifesto.
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