UMA INTERPRETAÇÃO RELIGIOSA

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O Grupo de Estudos Africanos e Afrobrasileiros em Línguas e Culturas – GEAALC – da Uneb, promoveu de 6 a 10 de julho o Curso História, cultura e Arte Yorubá, com o professor nigeriano Babatunde Lawal.O curso foi uma iniciativa da profª Yeda Pessoa Castro, que é amiga do referido professor, já do tempo em que ela ensinou na Nigéria.A tradução simultânea foi feita por Ana Castro.Ele graduou-se em Artes plásticas na Universidade de Nsukka na Nigéria. Mas possui mestrado e doutorado em História da Arte pela Universidade de Indiana (EUA).Ensinou por vários anos na Universidade Obafemi Awalowo, Ife- Ife, na Nigéria, onde foi fundador e chefe do Departamento de Belas Artes e Diretor da Faculdade de Artes. Atualmente é professor de História da Arte no Virgínia no Virgínia Commonweath University, em Richmond, Virginia (EUA).

Em vista da marcante presença Yorubá no Brasil, especialmente na Bahia, dos tempos coloniais até os nossos dias, esse curso abordou fundamentos da história, cultura, religião e arte Yorubá. Foi dada ênfase especial à Cosmologia, Arte e Iconografia dos Orixás, Simbolismo das Cores, Mediunidade e Máscaras. O curso quis focar a interligação entre arte e vida entre os yorubás da Nigéria e da República do Benin, do Togo e do Oeste da África.

O curso preencheu in totum as expectativas do grande público que lotou o auditório. Dentre as muitas colocações apresentadas pelo conferencista, sempre ilustradas com imagens, diapositivos, foi mostrada a transformação simbólica, de forma ritualística, em corpo feminino, daqueles que, com máscaras, faziam suas performances. Dessa forma, a possessão do orixá, é um parto temporário. Um iniciado homem trança os cabelos como uma mulher – isso é sinal de que traz o poder da mãe. Foi lembrado que um dos mitos de Xangô mostra que ele trançava o cabelo como o de Iemanjá. As máscaras Geledê tiveram um destaque especial.

Nas múltiplas esculturas apresentadas, a ênfase da imagem estava na cabeça, pois é o lugar do axé. E há provérbios que exaltam essa situação: “A minha cabeça é que me criou e ninguém criou a minha cabeça”, e outro que diz que “ a cabeça é sua coroa”. A cabeça é o altar da pessoa, é sua identidade, sua percepção. Na narrativa de Olodumaré ele criou primeiro a cabeça e as outras partes seguiram-na. Mas há um mito que conta que as outras partes do corpo tiveram ciúmes. E reagiram de diferentes formas: as pernas não queriam andar, o estômago estava com fome mas a boca não queria abrir-se.

A proeminência da cabeça é exaltada em todos os momentos. A pessoa pode perder um braço, uma perna, um dedo, extrair determinados órgãos, mas não pode perder a cabeça… O próprio rei, toma posse, é coroada na cabeça. Implica numa morte simbólica, numa religação com os ancestrais. Também foi mostrada uma cena onde o rei no seu ritual de posse, passa por entre as pernas de uma mulher, indicando que estava nascendo de novo.

Naquele contexto , muitas vezes é uma mulher que coroa o rei. O rei é despersonalizado do seu eu primeiro pois agora é a personalização do seu povo. Diante dessa mística feminina que marca muitos momentos da cultura yorubana, foi perguntado a uma mulher porque elas deixam os homens serem reis. E a resposta foi que, na prática, quem tem o controle dos filhos, são elas.

Muitos belos aspectos da iconografia yorubana foram mostrados. Por exemplo, as estátuas de pedras encontradas há quase 1.000 anos no norte da Nigéria, representam pessoas, isto é, ancestrais que não morreram, mas que viraram pedras. A própria criação do homem e da mulher vinda do barro ( elemento comum a muitas outras culturas religiosas, como a do Gênesis, na Bíblia), mostra que na morte, o corpo se dissolve e, simplesmente, volta para o que era anteriormente.

Foi dado ênfase no curso ao Festival realizado na Nigéria onde são apresentados os Egunguns. A palavra “festival”em português não traduz o que aquele ritual lúdico e religioso representa para aquela cultura religiosa – é uma palavra “empréstimo”, diz o conferencista. Os ancestrais são representados numa dramatização pública. Quanto mais elaborada a roupa, mais importante é o ancestral representado. Ele quer ser a celebração do triunfo humano sobre o medo da morte. Ocupa um lugar especial nessa celebração, o atabaque. A língua yorubá é tonal, portanto, o atabaque “fala”, não apenas toca. Nesses momentos, são usadas máscaras rituais. Elas são preponderantes, pois há aquelas que são naturalistas ( chamadas de Akó), mas as dos Eguns revelam o outro mundo. Foi ainda sublinhado que os mais velhos que assistem a essas representações, têm sentimentos que os transportam para o pós-morte quando serão celebrados pelos vivos.

O curso objetivou também desenvolver habilidades analíticas que poderão favorecer a contextualização e reinterpretação desses elementos no Brasil e, de forma particular, na Bahia.

Sebastião Heber Viera Costa
Professor Adjunto de Antropologia da UNEB,da Cairu, da Faculdade 2 de Julho.Membro do IGHB, do Instituto Genealógico e da Academia Mater Salvatoris.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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