O título deste artigo e grande parte do seu corpo frasal é a recomposição do que escrevemos nesta coluna semanal há cerca de dois anos, quando do escândalo “Renan Calheiros”, no Senado Federal. Infelizmente, de lá para cá, nada mudou, só piorou. E não tinha como ser diferente, porque um dos princípios básicos da existência humana é “tudo o que não é curado volta e volta mais forte ainda”. Foi o que aconteceu. Todo o mal imerso no lamaçal das diretorias, dos gabinetes e do plenário do Senado veio à tona. O cheiro exalou de modo avassalador. E a pergunta retórica que nos fazemos é: “será que, agora, finalmente, alguma coisa mudará?” Desoladora é a resposta: “Penso que mínimas coisas mudarão”.
Não é por outra razão que um dos grandes empreendedores deste tipo de vida e política senatorial, o Chefe do nosso Poder Executivo Federal, Luis Inácio Lula da Silva, assim se pronunciou, esta semana, a respeito da Casa Senatorial e dos seus componentes: “Quero fazer Justiça ao senador Collor e ao senador Renan, que têm dado sustentação ao governo em seu trabalho no Senado” (em palanque em Palmeira dos Índios, Alagoas, em 15/07); “Todos eles [senadores] são bons pizzaoilos” e “O Senado só tem gente experiente. Você acha que tem algum bobo no Senado? O bobo é quem não foi eleito. Os espertos estão todos eleitos” (em resposta a questionamentos feitos a ele a respeito da CPI da Petrobrás). É crível vislumbrarmos alguma mudança? Penso que não. O problema não é de política é de moral individual mesmo. Seja como for, sob o fulcro desses últimos acontecimentos, reflitamos a respeito do que foi, do que é e do que pode vir a se tornar o Senado Federal: ‘Casa de Rui Barbosa’, ‘Casa de Prostituição’, ‘Casa de Corrupção’, ‘Casa de Renan Calheiros’, ‘Casa de José Sarney’ ou ‘Casa de Lula’? Vejamos, pois.
O Senado da nossa República Federativa do Brasil é a mais alta câmara do Congresso Nacional. Foi constituído e instalado, na nossa nação, desde a Constituição do Império de 1824. Inicialmente, o modelo que inspirou a formação e atribuição de funções do nosso Senado foi a Câmara dos Lordes da Grã-Bretanha, até mesmo porque nós vivíamos, neste momento, ainda, sob a égide do regime monárquico. Mas com o golpe da forma de governo – que a historiografia tradicional insiste em chamar de “Proclamação da República” – de 1891, a nossa casa senatorial passou a ter o mesmo modelo institucional que tem o Senado dos Estados Unidos da América. Isto é, passou a ser o órgão do Poder Legislativo Federal que representa, em tese, os interesses dos Estados-membros componentes desta Federação. De modo que esta se constitui na função precípua do Senado Federal. Este modelo se evidencia pelo fato de que os 27 estados-membros do nosso Brasil elegem, diretamente, através do povo, os seus 3 representantes, num sistema eleitoral em que os senadores são eleitos para um mandato de 8 anos, renovando-se a representação de 4 em 4 anos, alternadamente, por um e dois terços.
Sob o prisma da historiografia da humanidade, na verdade, o Senado remonta a sua origem nas assembléias do Conselho de Anciãos do antigo Império Romano. O Senatus Romano era composto, eminentemente, por cidadãos romanos idosos, das famílias patrícias. Ser idoso – ancião – era um requisito essencial, pois denotava a experiência necessária para servir ao populus romanus. Daí que o termo Senador, vem do latim Senex, que significa velho ou idoso. Seja durante o período da realeza romana, seja nos períodos da república ou do império romano, o Senatus cumpria uma missão essencial na constituição e desenvolvimento do poder político e militar dos Romanos.
No Brasil, sob inspiração semelhante, a nossa casa senatorial – formada pelos “augustos e digníssimos senhores representantes da Nação”, conforme preceituava a constituição de 1824 – já foi constituída por homens de reputação ilibada, vida pública irrepreensível e notável saber jurídico. Exemplo maior disso é que, no período da República Velha (1889-1930), dentre tantos importantes nomes da nossa história política e que honraram a cadeira do Senado Federal, podemos destacar, representando todos esses, o mais importante político e jurista da nossa história: o baiano Ruy Barbosa de Oliveira. Não é sem razão que há unanimidade em se admitir que Rui Barbosa, indubitavelmente, dignificou a história do Senado Federal do Brasil. Tanto é assim que tal alta Casa Legislativa ainda hoje é conhecida como a Casa de Rui Barbosa, tamanha a sua influência política, jurídica e de escritor para a formatação dos ideais senatoriais da nossa nação.
Mas este mesmo Ruy Barbosa que, inicialmente, juntou-se ao movimento de proclamação da República, alguns poucos anos mais tarde, percebendo o erro histórico que havia cometido, brindou-nos com a célebre e conhecida frase: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”. O que poucos sabem é o que ele disse em complementação a esta frase: “Essa foi a obra da República nos últimos anos. No outro regime, o homem que tinha certa nódoa em sua vida era um homem perdido para todo o sempre, as carreiras políticas lhe estavam fechadas. Havia uma sentinela vigilante, de cuja severidade todos se temiam e que, acesa no alto, guardava a redondeza, como um farol que não se apaga, em proveito da honra, da justiça e da moralidade”. Arrependeu-se, pois, Rui, da sua criação política. A partir de tal constatação fico a pensar o que nos diria Rui, ainda mais, a respeito da República e do seu Senado, hoje.
O fato é que, se Rui Barbosa vivesse no contexto atual, penso que atestaria, pragmaticamente, que esta frase dita por ele, no início do século XX, nada mais foi do que uma profecia cumprida nos dias atuais. Penso, ainda mais, que Rui Barbosa, despertando no contexto em que vivemos, olharia para tudo que está acontecendo neste momento e nos perguntaria “O que é esta casa que vocês chamam de Senado Federal? Este órgão que vocês chamam de Senado Federal, hoje, representa o quê na verdade? O que significa ser Senador da República Federativa do Brasil? O que esses homens e mulheres que aí estão pensam e querem?”. Pior para nós seria ter que responder às suas indagações.
Seja como for, se Rui Barbosa me fizesse estas indagações, para a primeira pergunta eu não hesitaria em dizer que esta casa que chamamos de Senado Federal, parece não ser mais uma corte de “augustos e digníssimos senhores representantes da Nação”, muito menos a Casa de Rui Barbosa. Ao contrário, olhando para o caso da CPMF (das suas espúrias e imorais negociatas), para o caso da absolvição do seu ex-presidente, Renan Calheiros, e para os vários escândalos desta era José Sarney eu não hesitaria dizer que o Senado Federal se tornou uma alta “Casa de Prostituição”. E se ele – Rui Barbosa – continuasse e me perguntasse o que o Senado representa hoje, eu teria que dizer que, infelizmente, esta casa parece representar o que de mais odioso e terrível existe na brasilidade e nas instituições nacionais, sobretudo nesta era Lula: a “Casa da Corrupção”. E se ele insistisse e me perguntasse, ainda mais, o que significaria ser Senador da República Federativa do Brasil no contexto atual, eu teria que dizer que, pelo que temos visto, ouvido e vivido, ser Senador, hoje, parece significar ser o mais alto agente promotor da prostituição e da corrupção política brasileira. De modo tal que o ideário de um Senador hoje – olhando para o caso de dois anos atrás, o do Renan Calheiros, e agora os envolvendo os “Sarneys” – é: “estou no poder pelo poder e para aqui me manter eu faço qualquer negócio, porque para mim não existe distinção entre esfera pública e esfera privada; em tudo eu mando e faço como quero”.
E se Rui, por último, perguntasse-me o que esses homens e mulheres que aí estão pensam e querem, eu diria: tudo o que eles querem é a satisfação dos seus próprios interesses e a vitaliciedade no poder. E completaria: “Rui, o Senado que você ajudou a formar, dignificou e honrou e, por isso, foi mais tarde chamado de Casa de Rui Barbosa, hoje, nada mais é do que um espaço político-institucional, onde as pessoas vendem o corpo, a alma e o espírito para quem quer que seja. Hoje, Rui, o Senado Federal tem o designativo que bem merece: a ‘Casa dos ‘Pizzaoilos’ do Governo Lula’”. Que lástima! Que tristeza! Até quando será assim?
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