17 de outubro de 2011
Soluçando, Timão esbraveja, ainda com o primeiro quarteto de seu soneto amassado nas mãos, que dizia:
“Olhe para o céu
E conte as estrelas
Se é que pode contá-las
Assim será meu amor”
TIMÃO: -Pensei que se andasse em linha reta chegaria em algum lugar. Mas como andar em linha reta em um lugar tão escuro, e eu estando tão absurdamente perdido?
AMOR: -Faz perguntas demais, Timão. Pois é nesse lugar escuro que vais passar a eternidade, andando em círculos. Não sei se achais o suficiente, mas estais, não sei até quando, em minha companhia.
TIMÃO: -Como pode me iludir desse jeito? As promessas que ouvi ao chegar eram, como sempre, falsas!?
AMOR: -Tolo! Tudo se resume à escolha. Cada um é responsável pelo seu destino.
Timão dá as costas ao Amor e não sabe mais o que pensar, quando se senta ao seu lado o Medo.
MEDO: -Tudo bem, vou te fazer entender. Eu, modéstia à parte, sou a melhor forma de mudar o destino. Todas suas escolhas foram manipuladas por todos nós, mas em especial por mim. Medo da sua companheira Solidão, Medo do sofrimento, Medo de tudo acabar antes mesmo antes de ter começado. Mas você não soube me usar de forma eficaz. Posso ser muito útil se for inteligente, sabia? Mas não! Apenas cavou sua própria cova. Chega a ser triunfante pra mim. Agora eu já criei todos os fantasmas. Mas não se culpe tanto, o passado daquela por quem perdeste a Sanidade era um oásis de temores, só bastou um leve soprar seu, quer dizer, meu.
TIMÃO: -Eu não vou ser castigado por Medos e nem fantasmas do passado! Nem que eu tenha que me embriagar na Fonte do Esquecimento, e abandonar-te pra sempre!
Assim Timão falou encarando o Amor, que apenas piscou com os dois olhos, num gesto de compaixão. Às lágrimas, e sem saber se o que falou ao Medo era verdadeiro, Timão sentou-se e fez mais uma alteração em seu quarteto:
“Olhe para o céu
E conte às estrelas
Que eu me juntei aos desistentes
E me entreguei à Dor”
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Cego e sem nenhum sentido atendendo às necessidades de seu corpo, Timão cambaleia centro da sala e sente o mundo girar. Tenta se esconder, e não pensar em nada… Mas chega a conclusão da inevitabilidade.
E assim, de um golpe só, toma de grandes goles, como um regresso do deserto, toda a sua dor. Começa então a não sentir suas pernas. Seus músculos ficam em espasmos frenéticos, e Timão cai de joelhos.
Agora já não consegue nem mais chorar, e passa a vislumbrar um lugar melhor para si e para todos os seus sentimentos. Fica esperando o sono chegar, esse sono tão especial, esse sono profundo. Sono sem pesadelos, sono pra não mais acordar.
Em meio àquela fervura de emoções, Timão fita o espelho, e olhando aquele corpo agonizante, ele não se contém e solta o seu mais sincero sorriso que já vira em seu semblante. Em sua mente só lhe ocorre um pensamento: o que é a dor pra quem não sente?
Obs: Imagem enviada pelo Autor.(Retrato do Dr. Paul Gachet, Van Gogh)
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.
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