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Sim, os perigos são demais, mas deveriam ser apenas para os que têm paixão, como tão bem o dizia o poetinha Vinícius.

Na década de setenta, pelo menos para os jovens do Recife, sair pelas ruas à noite, oferecia menos perigo do que se apaixonar.

Não sou chegada a saudosismo meloso, daqueles que relembram com melancolia e tristeza “os bons tempos do passado”. Passado bom é para ser lembrado com alegria, revivido na memória para nos alegrar e não encher de tristeza. Passado ruim a gente coloca no arquivo morto e, se possível, queima.

Saudade de bons momentos, que não tem? Mas lamentar porque passaram, tira o brilho e alegria de momentos que nos fizeram felizes.

Confesso que, na verdade, hoje tenho vontade de chorar pelo presente e de lamentar pelo futuro e não pelo passado.

Uma amiga me sugeriu que escrevesse sobre o tema da Campanha da Fraternidade desse ano, Superação da Violência. E, no Facebook, meu marido me marcou com um vídeo de um solo de violão de Samba em Prelúdio que, além de belíssimo, me remeteu aos anos setenta e à praia de Boa Viagem, quando cantávamos, em dueto, essa música, numa paquera gostosa, em meio a amigos queridos e que torciam para que terminasse em namoro.

Éramos uma turma de quinze ou vinte jovens, levávamos refrigerantes, uma garrafa de rum (todos eram maiores de idade), salgadinhos e os violões. Normalmente eram três tocadores: Sérgio, João Marcos e Carlos Manoel.  Sentávamos na areia mesmo, em frente ao terceiro jardim, nas noites de sábado ou véspera de feriados. Nunca fomos perturbados por ninguém e muito menos assaltados.  Ficávamos ali por horas, cantando e conversando, nos divertindo da forma que gostávamos: simples e musical.

Havia também outro local onde a gente fazia nossas serenatas: na calçada da minha casa, na Boa Vista, próxima à comunidade dos Coelhos. Essa era aos domingos, depois da missa das sete, na igreja do Salesiano, celebrado por nosso querido e saudoso Pe. Ivan Teófilo. Ficávamos ali, na frente da minha casa, tocando até às 22h, quando meu pai dava o toque de silêncio e colocava a turma para fora da calçada. Também ali nunca corremos nenhum perigo, nunca tivemos receio de sermos assaltados, a casa invadida ou coisas do tipo.

Uma boa parte voltava para suas casas de ônibus ou andando. Nunca ninguém foi assaltado ou sofreu qualquer tipo de ameaça ou violência. Participávamos do Encontro de Jovens do Salesiano e, como minha casa era perto de lá, uns três ou quatro quarteirões, a rua Visconde de Goiana (continuação da rua Dom Bosco), era um caminho que percorríamos com muita frequência, tanto de dia quanto à noite e o fazíamos sempre com a maior tranquilidade. E como era gostoso sentir, no caminho,  o perfume dos jasmins de uma casa em uma das esquinas.

Quantas e quantas vezes voltamos para casa, eu e minha irmã, depois das dez da noite, após as reuniões no Salesiano, sem nenhum medo ou melhor, sem nenhuma razão para ter medo.

Não tenho saudade desses tempos do tipo “ah meu Deus, onde está minha juventude?”. Não é por aí. Tenho saudade da segurança que tínhamos, de poder andar nas ruas ou sentar na beira da praia, sem correr riscos, sem ter que ficar olhando para os lados, sem medo de tirar o celular para tirar uma foto do mar ou do nascer do sol, como hoje em dia.

E olhe que sou branca, católica e hétero. Ou seja, não faço parte dos grupos de pessoas que sofrem  outro tipo de violência, além de assaltos e crimes sexuais.

Homossexuais, seguidores de religiões de matriz Afro e negros sofrem as violências comuns a todos e mais a violência da discriminação, do preconceito, da intolerância.

Terreiros são depredados e seguidores do Candoblé, Ubanda e Jurema são agredidos moral e fisicamente por “cristãos” fanáticos, tanto evangélicos quanto católicos, que não levam o Novo Testamente em consideração e esquecem que Jesus Cristo deu exemplo de acolhimento a todos e todas, sem nenhuma discriminação quanto a cor, raça ou religião.

Da mesma forma os homossexuais são agredidos tanto física quanto moralmente, humilhados e tratados como se fossem portadores de uma doença contagiosa, por aqueles que não conseguem entender que cada pessoa tem direito de escolher seus caminhos, ter suas opções e de seguir sua vida livremente.  Nesse caso, especialmente, não consigo entender porque os “machões” e as “machistas” se incomodam tanto com os relacionamentos homossexuais. Fico arrasada, cheia de tristeza, quando sei que um pai ou uma mãe rejeitam filhos e filhas por serem homossexuais. Não acredito que isso ainda aconteça nos dias de hoje. Fico pensando que tipo de amor materno ou paterno é esse? Que não respeita os filhos, que não entendem que cada pessoa é única e que cada filho é especial?

Confesso que se eu tivesse filhos corruptos, que enganassem e pisassem as pessoas para se dar bem na vida eu ficaria decepcionada e arrasada por ter falhado em minha missão de mostrar qual o caminho certo para ser um ser humano decente. Tentaria fazer tudo o que fosse possível para fazer esse filho ou essa filha consertar o mal que estava fazendo. Não sei o que faria se não conseguisse êxito. Com certeza teria uma vergonha imensa. Mas aqui estamos falando de uma questão de caráter.

E os negros? Quantas humilhações não passam por sua cor? São parados na rua para pedir documentos, de maneira rude e acusadora, mesmo por autoridades de sua cor. Se vêm andando duas pessoas, uma negra e uma branca, a negra será abordada e a branca sequer será solicitada a mostrar identidade.  Na história do Brasil  os vilões sempre foram brancos em sua esmagadora maioria. Então por que os negros continuam a ser vistos como suspeitos, enquanto os brancos fazem a festa, roubando, torturando, matando, estuprando e sendo racista?

A superação da violência só será possível quando suas raízes, suas causas, forem combatidas. O profeta Isaias diz que “ a paz é filha da justiça”.  Mesmo para quem não é religioso,  não tem como contestar a veracidade dessa frase. Enquanto não houver justiça em sua plenitude, não poderá haver paz.

E a justiça social se faz mister nesse processo. Enquanto houver fome, pobreza, miséria, enquanto houver crianças fora da escola, pais e mães sem emprego, enquanto a saúde não for para todos, enquanto milhares morarem nas ruas, não poderá haver paz.

Não são os pobres, os miseráveis, os marginalizados os responsáveis pela violência. A violência é uma consequência da vida que são obrigados a levar pela negação de seus direitos. Os verdadeiros responsáveis por toda essa violência ao redor são aqueles e aquelas que negam os direitos que cada ser humano tem a uma vida digna, a um salário decente, a ter opinião, moradia, saúde e educação.

Enfim, enquanto não entenderem que, o mais importante não é ter muito dinheiro, mas ter paz, a violência continuará nas ruas.

“A raiva é filha do medo e mãe da covardia”, canta Chico Buarque na música que dá nome ao novo CD e show, Caravanas. Por isso tanta raiva, tanta intolerância, tanta violência.

São demais os perigos dessa vida pra quem tem paixão… Não deveria ser apenas assim?

Obs: A autora é  jornalista, blogueira e Assessora de Comunicação do IDHeC – Instituto Dom Helder Camara.
Imagem enviada pela autora.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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