Dênis Athanázio 15 de março de 2018

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Robertão passa de carro avista seu amigo na praça e diz:

– Oh Carlão…O que tá fazendo aí parado na praça?

– Fala, Robertão! Tá sumido hein?

– É a correria né, cara?

– Ah, cara tô dando um tempo aqui….Tô pensando um pouco na vida olhando para as árvores.

– Oh vida boa, hein, Carlão? Tem tempo pra pensar na vida?

Sentindo-se estranhamente culpado Carlão responde:

– Hoje estou de folga, Robertão. Mas você tá certo…deixa eu voltar pra casa, que tenho muito “corre” pra fazer hoje.

Vivemos em uma geração frenética por preencher a todo custo as 24 horas que Deus nos deu.. Alguns acham que Ele calculou mal, o dia tinha que ter umas 30 horas. Pois “Tempo é dinheiro” e não estou vendo dinheiro no meu bolso.

A pessoa que fica parada contemplando qualquer horizonte ou pensando na vida é vista como vagabunda por muitos. E ela se sente culpada por essa prática. Quem nunca fingiu que estava ocupado no trabalho quando o chefe estava se aproximando da sua mesa? Eu particularmente, sempre achei estranho ter que mostrar a todo tempo estar ocupado para parecer trabalhador. O mais preocupante é que estamos inserindo nossas crianças nessa realidade. Elas correm o tempo todo junto com a gente. Os pais colocam seus filhos em todos os cursos possíveis para os pequenos não ficarem parados pensando besteira. Pois brincar não “dá dinheiro”, logo, é uma besteira.

Um das músicas mais ouvidas do cantor Lenine não sai da minha cabeça: “Enquanto o tempo acelera e pede pressa, eu me recuso, faço hora vou na valsa, a vida é tão rara”.

Sei que é muito difícil para você e para mim, mas de vez em quando, temos que nos recusar, “fazer hora” e brigar contra esse aceleramento do tempo. Tentarmos parar um pouco, respirar fundo, desmarcar compromissos, desligar o celular e pensar na vida sem se sentir culpado, sem pensar que somos vagabundos. Não estamos vendo muita saúde mental em nossa sociedade com esse aceleramento todo. Eu, pelo menos, não vejo.

A contemplação, o ato de refletir e o ócio só se desenvolvem com treino. Primeiro, tem que ser trabalhado dentro de você mesmo a culpa que sente pra depois mudar de postura. A criatividade também vem do ócio. A maioria dos poetas não conseguiriam trabalhar em uma linha de produção. Não por não acharem um trabalho digno, mas porque teriam dificuldades para escrever e refletir. Uma ideia boa, uma frase boa, não avisa quando chega. Simplesmente pipocam em suas mentes e se não forem escritas ou digitadas na hora, provavelmente fugiriam sem dia marcado para voltar.

Arrisco dizer que aquela rolada na cama antes de se levantar para ir trabalhar, o tapa no despertador e a procrastinação, é um protesto (consciente ou não), contra esse tempo que corre desvairadamente. É como se não nascêssemos pra tanta velocidade.

Não sei se é porque estou ficando velho, mas hoje em dia desejo mais tomar um café com amigos do que assistir à Fórmula 1. Tenho mais prazer em tocar guitarra do que em andar em uma montanha-russa do parque ou ficar dois dias seguidos em uma rave. É muita velocidade para mim. Lenine escreve que a vida é tão rara. Se ele estiver certo, preciso degustar e saboreá-la. Quem come correndo não sente o gosto da comida. Eu me recuso, faço hora, vou na valsa. Eu quero saborear a vida.

Obs:  O autor é Psicólogo, palestrante, terapeuta de família casal.
Imagem enviada pelo autor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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