Enquanto na França, o deputado Yves Cocher defende em plena Assembléia Nacional a tese de que é necessário frear o crescimento econômico e deter o “progresso tecnológico”, no Brasil, o governo mantém seu alto índice de popularidade com o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) e com o Bolsa Família, responsável por um aumento enorme da produção e do consumo em algumas regiões do país. Este modelo de desenvolvimento é, exatamente, o oposto da proposta dos deputados e cientistas sociais que, na Europa, pregam o decréscimo. Na França, desde 2006, existe um PPLD (Partido em Prol do Decrescimento), fundado pelo deputado Vincent Cheynet que advoga a salvação do planeta e da humanidade pelo caminho do “voltar atrás”: renunciar a muitos confortos desta sociedade de consumo e, assim preservar melhor o planeta e o essencial da vida. Esta proposta se espalha por minorias na Itália e em outras nações do Ocidente. No Brasil e em outros países da América Latina, as pessoas que moram em regiões como a Amazônia ou em morros do Rio de Janeiro precisam de empregos e condições sociais mais desenvolvidas. Para isso, sonham com maior progresso tecnológico em seus locais de moradia e de vida. Nas periferias de Manaus e de cidades do interior do Piauí, jovens declararam que pela primeira vez na vida, viram luz e eletricidade em suas casas, tiveram acesso a saneamento e água encanada ou puderam tomar banho de chuveiro. Como dizer a eles que o progresso é mau e a receita do momento é renunciar ao crescimento econômico e tecnológico?

De fato, a proposta do não crescimento parece própria para um mundo mergulhado no consumo como é a Europa e Estados Unidos da América. Sem dúvida, para todos os continentes e para cada ser humano, vale a proposta do cientista social Serge Latouche dos oito R: Reavaliar, Reconceituar, Reestruturar, Redistribuir, Redimensionar, Reduzir, Reutilizar e Reciclar. Não se trata de voltar ao passado, nem de condenar qualquer forma de progresso, mas de compreender que o atual modelo de desenvolvimento, baseado no petróleo, na exploração da natureza e na competição entre as pessoas está falido e nos conduzirá à catástrofe. Cada dia, fica mais claro que o inimigo maior de nossa civilização não é o terrorismo de grupos fanáticos, por mais perigosos que estes possam ser. É a destruição ecológica. Precisaríamos de três planetas Terra para suportar a exploração que o modelo civilizador capitalista comete contra a vida. Não se trata de ser contra o desenvolvimento social e econômico e sim de priorizar a sustentabilidade. Em função disso, é preciso optar por um modelo de vida mais sóbria e simples, assim como é urgente organizar a sociedade de forma mais igualitária e humana.

No atual processo social latino-americano, antigas tradições vindas das culturas indígenas têm ajudado em pontos nos quais o velho academicismo ocidental parece não compreender adequadamente. Conforme Boaventura de Sousa Santos, grande mestre contemporâneo: “Sem dúvida, é difícil para a ciência sociológica ocidental compreender a concepção política e econômica do suma kawsat do povo Quétchua ou do suma qamaña dos Aymara nos países andinos. Conforme o professor Boaventura de Sousa Santos, esta concepção oriunda das sociedades indígenas significa o bom viver, hoje consignados nas Constituições do Equador e da Bolívia, com as suas concepções múltiplas de governo e de democracia – democracia representativa, participativa e comunitária”[1].

Ser feliz é não somente o direito, mas um dever de todo ser humano. A tradição cristã fala de um santo asceta que, ao morrer, soube que, antes de ir ao céu, deveria se purificar no purgatório. Mas, pensava ele, purificar-se de que? Por que não ia direto ao céu? Conforme a lenda, São Pedro lhe respondeu: “Por que, em sua vida, você não fez o esforço suficiente para ser feliz”.

Em uma sociedade de consumo, ser feliz está ligado a ter dinheiro, a comprar os objetos propostos pela publicidade e gozar as benesses que a sociedade reserva à minoria privilegiada. Para as diversas tradições espirituais da humanidade, o Shallom bíblico, paz e salvação, assim como o Axé das religiões afro-descendentes, a felicidade é a alegria da pessoa se sentir em sintonia com as outras e em comunhão com todo o universo. Amar e se saber amado/a é o dom divino presenteado a todo ser humano e que pode ser fonte íntima desta alegria.

(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.

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[1] – BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, Por que é que Cuba se transformou num problema difícil para a Esquerda? In Le Monde Diplomatique, Brasil, Cadernos da América Latina, maio 2009, p. 02.
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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