“Nós, representantes do Povo Brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático de Direito (…), promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.”
(PREÂMBULO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988)
O nosso artigo da semana passada foi “profético”, para não dizer, simplesmente, desvelador. Enquanto nós afirmávamos nesta coluna que “o Direito nada mais é do que um conjunto de palavras, de dizeres bonitos e muitas vezes incompreensíveis a olho nu, que são aplicados e interpretados, para a “resolução” dos litígios, de acordo com a conveniência individual ou institucional de quem tem o poder de o dizer ou de afirmá-lo, isto é, um instrumento de legitimação das mazelas do ser humano (e das suas instituições) que tem o poder de decidir”, o Ministério Público Federal em São Paulo, através da sua Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, praticava, exatamente, isso. E a pergunta ressoou, mais uma vez, em meus ouvidos: “O que é mesmo o Direito?”.
O MPF-SP ajuizou uma Ação Civil Pública para obrigar a retirada de todos os símbolos religiosos ostentados em locais de ampla visibilidade e de atendimento ao público em repartições públicas federais no Estado de São Paulo. Em outras palavras, o MPF em São Paulo, mais uma vez, interpretou a Constituição Federal a seu bel-prazer, ao seu sentir e, muito mais que isso, desconsiderou que o Sistema Jurídico existe para o Povo e não o Povo para o Sistema Jurídico. No entender do Procurador Regional da República Jefferson Aparecido Dias – mentor intelectual da ação – que, segundo ele, é católico praticante, dos que “comunga e confessa”, é inconstitucional existir afixado, ou em destaque, num prédio oficial, uma Bíblia ou a imagem de uma cruz ou crucifixo.
Na verdade, o que está por trás de tudo isso é mais um engodo terminológico da interpretação do direito, contaminada pelos valores da esquerda totalitária. O pano de fundo desta Ação é o denominado conceito de “Estado Laico”, forjado a partir do final do século XIX, com a doutrina filosófica do Laicismo. Tal doutrina defende e promove a separação total entre o Estado e as igrejas e comunidades religiosas, assim como também a neutralidade do Estado em matéria religiosa.
Se pararmos para fazer uma análise histórica do surgimento desta concepção de Estado – o Estado laico, sem compromisso com Deus ou com a Igreja – perceberemos que quem perdeu – em muito – com esta separação foi a sociedade, sobretudo se pensarmos que a separação que se imprimiu aí foi entre o Estado e o Cristianismo, com todos os valores inerentes a ele. Mas, enfim, não podemos desconsiderar, também, que a Igreja, enquanto instituição, em muito contribuiu para a derrocada do Estado Cristão porque assentiu em várias mazelas da condição humana. Por assim ser, não queremos discutir isso neste artigo. O que queremos discutir, efetivamente, aqui é a intolerância do Estado laico, como se quer fazer, agora, começando em São Paulo, no Brasil.
Neste sentido, é inelutável e antidemocrático deixar de considerar o fato de que, se o nosso Estado é laico – porque separado da Igreja – cerca de 95% dos brasileiros são cristãos, segundo o último censo do IBGE. Ora, se assim o é, é impensável que uma tal ação dessa venha a prosperar. Porque, se o Estado é laico, as pessoas não o são e tem o direito de livremente expressar sua fé e o seu culto, seja através de palavras, de atos ou do uso de símbolos em suas repartições de trabalho. Não há fundamento constitucional que embase tal Ação Civil Pública. Haveria se, por exemplo, houvesse uma lei, federal, estadual ou municipal que obrigasse o uso de símbolos religiosos, como o crucifixo, a cruz e a Bíblia (e a bem da verdade o objetivo desta Ação Civil Pública é ir de encontro a esses símbolos da fé cristã) nas repartições. Isso, sim, seria inconstitucional, mas não é o caso. O que está latente aí é a intolerância dos laicos e das famosas minorias para com os que têm a fé cristã. Tanto é assim que, quem está por trás disso é o grupo chamado “Brasil para Todos” formado pelos seguintes membros: – Iyalorisa Sandra M. Epega – Presidente da ONG Respeito Brasil Yorubá; Pai Celso de Oxaguián; Monja Coen Sensei – Missionária da tradição Soto Shu – Zen Budismo; Mahesvara Caitanya Das – sacerdote Vaishnava; Pr. Djalma Rosa Torres – Igreja Batista Nazareth; Rev. Cristiano Valério – Igreja da Comunidade Metropolitana de São Paulo; Ricardo Mário Gonçalves, PhD, monge budista; Monge Genshô, Diretor-Geral do Colegiado Budista Brasileiro; Jagannatha Dhama Dasa – sacerdote hinduísta Vaishnava; Milton R. Medran Moreira – Presidente da Confederação Espírita Pan-Americana. Em síntese: a idéia é combater os valores da fé cristã, tal como se fez na França em 1880, quando se proibiu o uso de Bíblias e crucifixos nos colégios e tribunais. Interessante, para não dizer catastrófico, é perceber que, entre esses, há um pastor evangélico que, na verdade, deveria defender a liberdade da fé cristã.
O que percebemos em tudo isso, na verdade, é o Estado, através do Ministério Público Federal, tentando fazer renascer no Brasil um conflito religioso que não existe mais no nosso meio. É a mesma coisa que acontece com o movimento dos racialistas. Vivem inventando políticas “afirmativas” de conflitos que já não existem mais no imaginário da sociedade brasileira. Isso é um absurdo, um grande erro. Mas, como dissemos, todas essas coisas tem a ver com o Direito que, no nosso caso, é interpretado da forma que é conveniente ao grupo que pode decidir e tem poder para tal. É o mesmo que acontece com o argumento daqueles que dizem que na Constituição não existe vedação para o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Ora, se o raciocínio é este, então, podemos fazer casamento entre pessoas e animais, porque a Constituição não veda. É uma argumentação pueril, para não dizer absurda e mal-intencionada.
Como afirmamos na semana passada, “o Direito, na sua essência, deveria, deve e sempre deverá ser a expressão, no plano jurídico e normativo, dos valores, dos ideais, dos costumes e daquilo que a sociedade considera, de geração a geração, o seu bem, o seu belo e a sua verdade. Se assim não o for, não estaremos diante do Direito da Sociedade, mas sim do que é Torto na Sociedade”. Por isso, quando lemos na Constituição Federal, logo no seu preâmbulo, isto é, no momento inicial, onde existem os denominados vetores fundamentais da interpretação autêntica – aquela que é feita pelo próprio legislador – que o nosso Brasil e a sua ordem jurídica foram implementados sob a proteção de Deus é porque, efetivamente, o Povo esta ali a expressar os seus valores genuínos da fé cristã de modo que esses devem ser respeitados em sua integridade e o Estado não pode ir de encontro a eles. Não pode porque o Estado é formado a partir do Povo e não o contrário.
Por fim, como bem disse o jornalista Reinaldo Azevedo, numa síntese bastante elucidativa do que estamos a tratar aqui: “Uma coisa é ser agnóstico; outra, distinta, é considerar mera estupidez o que não pode ser explicado pela razão; uma coisa é ser ateu; outra, distinta, é achar que os crentes merecem a fogueira — ainda que seja a da desmoralização. Uma coisa é ser laico e advogar um estado idem; outra, diferente, é perseguir as religiões e os signos religiosos. Uma coisa é defender firmemente que a religião não degenere em fanatismo e sectarismo; outra, distinta, é perseguir fanática e sectariamente os que fazem questão de evidenciar a sua religião.”
Por isso, o nosso grito: NÃO À INTOLERÂNCIA DOS LAICOS!
Uziel Santana (Cristão, Professor da UFS e Advogado)
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