[email protected]

A imprensa tem “brindado” o público-leitor com manchetes que ilustram um desvio na preocupação no uso da ética no exercício da prática cidadã. Há os problemas relacionados com a Câmara Alta, julgamento e arquivamento de processos pelo Conselho de Ética. Recentemente, até aqui, na Assembléia Legislativa, tem havido a preocupação com essa referida Comissão. Chegou-se mesmo a dizer que ela não funciona porque há décadas não existem problemas éticos para ela resolver.

O tema da ética , na vida pessoal e na sociedade, pertence a todos. Sua importância e amplidão questionam todas as pessoas de boa vontade, as instituições e organizações da sociedade civil. Os sinais de uma crise nessa área são evidentes.

Nos últimos 40 anos passou-se de uma sociedade rural para uma sociedade industrializada e urbana. E isso aconteceu sem a participação do povo, aumentando ainda mais a distância entre a cultura do povo e o novo modelo cultural imposto. Houve um rápido crescimento urbano : na década de 50 éramos uns 10 milhões de habitantes e hoje em torno dos 190 milhões. Está aí uma sociedade marcada pela desigualdade, por uma diversidade social, elementos geradores de um dualismo ético.

A grande verdade é que a economia escravagista deixou como herança um “ethos” da casa grande: arrogância do poder, privilégios e mordomias, que ignoram a igualdade perante a lei, gerando a mentalidade do “quem pode, pode”. Isto é, quem pode no plano econômico e político, pode também no plano moral e ético. O poderoso tem direito a tirar proveito do seu poder, independentemente de critérios da lei e da justiça, mesmo se isso comportar que a coisa pública (“res publica”) seja reduzida a propriedade quase privada, subordinada aos interesses particulares.

Os fatores da crise ética da nossa sociedade têm gerado a falta de honestidade, a corrupção, o abuso do poder, a exploração institucionalizada e a violência.Há uma ruptura entre o indivíduo que se fecha sobre si mesmo, e a vida pública e os valores comuns, sobre os quais se ergue a sociedade. A visão comunitária é enfraquecida e prevalece a visão do ser humano como indivíduo consumista. Grande parte das nossas elites é herdeira desse “ethos”, o da casa grande. Nas veias delas ainda corre o sangue escravagista, opressor, desumano dos donos de escravos insensíveis aos problemas sociais. Nunca foi pensado em se indenizar aqueles que suaram o sangue para gerar as suas fortunas , nem do passado nem do presente . E quando são os donos dos bens econômicos, pouco se lhes dá qual é a situação de saúde, habitação, alimento, escolaridade dos seus funcionários. O que lhes interessa é o proveito próprio.

Mas é importante pensar nas bases pré-éticas para a renovação da sociedade. Não existe uma ética pronta que se possa impor como uma carapuça por cima das pessoas . A ética é como o cimento que une projetos, ideais, costumes, valores, símbolos de uma sociedade. E para que se possa constituir uma ética verdadeira será preciso que o homem nessa sociedade ultrapasse o limiar das condições subumanas. Há, portanto, exigências pré-éticas para que a ética possa ser o referencial do comportamento humano. Quando um casal não possui condições mínimas de moradia, de alimentação, de estrutura familiar, os filhos aparecerão nas ruas como menores abandonados, com todas as outras conseqüências sociais. Se a qualidade de vida de uma população estiver abaixo do limiar da dignidade humana, os homicídios se multiplicarão. E a mortandade está aí, entrando numa “normalidade” assustadora. A olhos claros se vê que a sociedade brasileira está num processo de deterioração cada vez maior. Mas é uma encruzilhada histórica que permite iniciar a construção de uma sociedade ética. Se esse processo vai levar décadas, não se sabe. Mas há indícios de uma nova fervura. De outro lado, não se sabe qual a pressão que essa panela social vai suportar. Mas o certo é que, sem o aumento das pressões sociais a mentalidade dos responsáveis pelo sistema, até agora predominante (mudam os rótulos e títulos …), nada se alterará.

Na devemos ser ingenuamente otimistas a ponto de achar que a pessoa humana é boa por natureza, pois todos sabem dos males atrozes de que é capaz de praticar. Mas também não devemos ser desesperadamente pessimistas, pois sabemos que depende do próprio homem direcionar a vontade maligna para o caminho do bem.

Sebastião Heber. Prof. adjunto de antropologia da UNEB, da Faculdade 2 de julho e da Cairu. Membro do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e da Academia Mater Salvatoris.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


busca
autores

Autores

biblioteca

Biblioteca

Entrelaços do Coração é uma revista online e sem fins lucrativos compartilhada por diversos autores. Neste espaço, você encontra várias vertentes da literatura: atualidades, crônicas, reportagens, contos, poesias, fotografias, entre outros. Não há linha específica a ser seguida, pois acreditamos que a unidade do SER é buscada na multiplicidade de ideias, sonhos, projetos. Cada autor assume inteira responsabilidade sobre o conteúdo, não representando necessariamente a linha editorial dos demais.
Poemas Silenciosos

Flickr do (Entre)laços
[slickr-flickr type=slideshow]