Frei Betto 15 de janeiro de 2018

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O que há de especial no início de um novo ano? Não somos trilobitas. Somos humanos, dotados da capacidade de imprimir ao tempo caráter histórico e, à história, sentido. Mudar de ano é rito de passagem. Ressoa em nosso inconsciente o alívio por terminar um ano de tantas decepções, frustrações e crises, e a expectativa de, em breve, celebrar conquistas, avanços e vitórias.

 Vivemos premidos pelo mistério. Como as partículas subatômicas, somos regidos pela lei da indeterminação. Essa impossibilidade de prever o futuro suscita angústia, e nos induz a tentar decifrá-lo por via da leitura dos astros, das cartas, da premonição de videntes, dos búzios ou da rogação aos santos protetores.

Eis uma característica da pós-modernidade: em plena era da emergência da física quântica e da falência do determinismo histórico como ideologia, acreditamos que o futuro está escrito nas estrelas.

Daí a inércia, a indignação imobilizadora, a impotência frente aos escândalos éticos, ao descaramento com que corruptos são absolvidos por seus pares, essa letargia que em nada lembra um povo que inundou as vias públicas pelas Diretas Já, a queda do presidente Collor, e contra o aumento das tarifas de ônibus.

 O Brasil já viveu tempos mais sombrios, como os anos de chumbo, os generais metendo no coldre as chaves dos parlamentos, a utopia dependurada no pau-de-arara, as rotas do exílio a se multiplicarem, os mortos e desaparecidos enterrados nos arquivos secretos das Forças Armadas. Ainda assim, havia sonho, e ele não era motivado pela ingestão química; brotava da fome de liberdade e justiça, fomentava o desejo irrefreável a adjetivar de novo a criatividade incensurável – o cinema, a bossa, a literatura, o tropicalismo.

No passado, o futuro era melhor. Hoje, imersos nessa sociedade da hiperestetização da banalidade, na qual as imagens contraem o tempo e a rede virtualiza o diálogo na solidão digital, andamos em busca da razão de viver. Perdemos o senso histórico, trocamos os vínculos de solidariedade pela conectividade eletrônica, vendemos a liberdade por um punhado de lentilhas em forma de segurança.

 Neste 2018, seremos chamados às urnas. Haveremos de tentar discernir os idealistas dos arrivistas; os servidores públicos dos que se afogam no ego destilado na embriaguez dos aplausos; os movidos pela intransigência dos princípios éticos dos que miram os recursos do Estado como carniça fresca ofertada à sua gula insaciável.

Ano de comemorar o 70º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos e 30º de nossa atual Constituição. Impossível celebrar conquistas em direitos humanos enquanto a polícia estigmatiza como suposto bandido o morador de favela; o Judiciário mantém-se indiferente à reforma do sistema prisional; indígenas e quilombolas têm suas terras invadidas; a frouxidão da lei cobre de imunidade corruptos e, de impunidade, bandidos.

Não basta o propósito de fazer novo em nossas vidas o ano de 2018. É preciso fazer novas as realidades que nos cercam, de modo que ocorram mudanças efetivas, e a paz floresça como fruto da justiça.

Feliz 2018, Brasil!

Obs: Frei Betto é escritor, autor de “A arte de semear estrelas” (Rocco), entre outros livros.

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